quinta-feira, 19 de agosto de 2010

ANTROPOLOGIA - ARTE E PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO



PROLICENCIATURA - Artes Visuais

UnB / IdA / Grupo Arteduca
MÓDULO: Antropologia Cultural
ALUNOS: Deny Ardaia

ANTROPOLOGIA - ARTE E PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO

A ARTE COMO ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO OU CONSOLIDAÇÃO DE IDENTIDADE
Antropologia e Arte na construção da identidade
Malinowski, na sua obra: "argonautas do pacífico ocidental", e em Makl – "método e técnica na antropologia" nos faz perceber o quanto é importante o estudo de cultura para a compreensão de uma sociedade, e a arte também é um campo onde o humano e o social se faz presente, e são fontes de conhecimento que podem auxiliar no estudo das identidades e das memórias.
Além da contribuição da antropologia clássica devemos pesquisar também determinada cultura ou o significado de determinada arte, sob o olhar da antropologia contemporânea. E aí lembramos de um grande nome, que também contribuiu sobremaneira na questão dos aspectos metodológicos da Etnografia, que é o Clifford Geertz.
Geertz, em sua obra "A interpretação das culturas" (1978) traz, assim como Makl (2008. p.2) também, a questão da necessidade de se repensar algumas categorias ou noções como a de "indivíduo, sociedade e cultura em suas complexas interdependências e como se relacionam no plano simbólico". O texto de Geertz "Estar lá, escrever aqui" traz na perspectiva da visão subjetiva na etnografia, seu conceito fundamental, o qual gostaria de incluir em nosso desenho teórico, que é da cultura como algo a ser interpretado e não explicado. Sobretudo, pelo fato de termos que empreender uma pesquisa de campo, tendo como objeto, em determinada
comunidade, suas manifestações culturais, as quais pertencem a um contexto próprio e traz seus próprios significados, dentro de um cenário de grande diversidade cultural em que se insere a sociedade brasileira.

Por exemplo, ao levarmos em conta o estudo das artes visuais e a desempenho dos artistas de determinado bairro da cidade de Porto Velho, teremos que pesquisar tendo como objetivo perceber a rede de significados construídos nas relações sociais que a produziu, ou seja, o contexto destas produções culturais, para podermos enxergar o fazer artístico contemporâneo, levando em conta os olhares locais, as relações simbólicas estabelecidas, neste tecido sociocultural, que dialogam com o universal. E se trabalharmos focando as produções culturais imateriais e nas manifestações das culturas populares, nós teremos todo um campo a ser interpretado, que revelam, não só as relações simbólicas, mas, inclusive, as "tramas sociais", no sentido dado por Geertz (1978).
Nessa linha, da noção de cultura como uma rede de significado construída pela sociedade, e que constrói o próprio individuo - que por sua vez, também possui seu patrimônio cultural imaterial próprio, ou individual, além do seu patrimônio coletivo -, Makl traz uma contribuição de Geertz:

O crescimento do homem aconteceu, portanto, no contexto de um ambiente cultural em desenvolvimento. Esse mesmo ambiente deve ser entendido não apenas como uma mera extensão externa do ser humano, um ampliação artificial de capacidades inatas já existentes, mas sim como um fator indispensável da existência dessas próprias capacidades, Instrumentos, caça, organização familiar e, posteriormente, arte, religião e certa forma de conhecimento sobre a natureza ou "Ciência" primitiva moldaram o homem somaticamente, sendo, portanto,
necessários não só a sua sobrevivência, mas, também, sua realização existencial "Sem o homem não haveria formas de cultura, mas sem formas de cultura não haveria o homem" conclui Geertz. (citado em Makl, 2008: 16)

Esta noção de indivíduo, de sociedade, de cultura, e esta compreensão sobre suas relações, nos ajudarão nesta análise da contribuição da arte na construção de identidades. Lembrando novamente que ele entende a Antropologia contemporânea como instrumento importante para esse entre grupos sociais. Em nosso entendimento, esse diálogo possibilitaria a desconstrução de preconceitos como, falamos, também, há pouco: o da segregação das culturas ou das artes populares. Portanto, se construiria um terreno propício para fluxo natural de construção de identidades, contribuindo, também, para a diversidade cultural.

Se pensarmos a cultura popular como fonte inspiradora e fim das artes têm que pensar na discussão sobre estes conceitos: cultura popular, patrimônio cultural imaterial ou intangível, folclore, cultura erudita ou alta cultura, etc. Pensadores da cultura como Ubiratan, combatem o termo folclore e propõe sua substituição pelo termo ‘cultura popular’. É óbvio que os folcloristas rebatem com o argumento de que não procede esta visão e esta postura dos europeus frente a estas produções. Defendem que, na verdade este (o folclore) é um atrativo turístico e cultural por ser "raiz" ou referência da cultura popular, como se isto só se desse sob este termo, já que o próprio termo se tornou tradicional no Brasil. Ou seja, se esquece o discurso que revela toda uma essência por detrás do fenômeno que é a visão de cultura hegemônica ou de dominação. E em ralação a divisão das produções culturais entre cultura erudita e cultura popular (que no caso seria visto equivocadamente de forma geral e homogenia como folclore), tem também toda uma calorosa discussão. Como podemos ver abaixo, nas palavras da antropóloga Lélia Coelho Frota.
"Não é de hoje que a discussão sobre a fragilidade da fronteira que costuma separar a chamada "cultura culta" da "cultura popular" ganha volume e consistência. E são cada vez mais nítidas as evidências de que, no fundo, o que efetivamente existe é um enorme preconceito em relação às artes populares. É como se alguém tivesse o direito, baseado em critérios um tanto tênues, de determinar o que é arte e o que é artesanato, o que é cultura e o que é apenas pitoresco. É como se aos artistas populares fosse proibido o reconhecimento de que seus trabalhos têm outras qualidades, além do direito de ser primitivos. Como se a alta qualidade estética fosse um patamar reservado apenas aos artistas que tiveram educação formal, e cultura fosse monopólio que só por eles poderia ser exercido. E os equívocos e preconceitos não terminam aí: tornou-se usual estabelecer que a arte popular só pode ser encontrada fora dos grandes centros urbanos, como se fosse um triste privilégio das populações rurais." (Lélia Coelho. 1937. P. 15)
É na ordem do discurso, onde se legitima determinados construtos sobre arte e sobre cultura, que se impõe, cientificamente, o entendimento do que é cultura e do que é arte. E, neste sentido, focando a arte, Miriam Manso, coloca o seguinte:
"[...] Para decidir o que é arte ou não arte, nossa cultura possui instrumentos específicos. Um deles é o discurso sobre o objeto artístico, ao qual reconhecemos competência e autoridade; nossa cultura também prevê locais específicos onde a arte pode manifestar-se, locais que dão estatuto de arte a um objeto (...) Desse modo, nossa cultura prevê instrumentos que determinam por mim o que é ou não arte" .
Portanto, pegando este gancho de Manso, deduzimos que se tem alguém ou algo que nos fala o que é e o que não é arte ou cultura, e que, levando-se em conta que a arte e as manifestações ou produções culturais são elementos ou espaços constitutivos de identidades deduzimos que há um dirigismo neste processo em que se forja estas identidades. E se Geertz está certo:
"Se a cultura fornece aos humanos programas de comportamento comparáveis à função dos programas nos nossos atuais computadores, ao nascer a mente do ser humano pode-se comparar como um hardware de computador ainda sem softwares instalados: o chamado processo de socialização ou endoculturação é que vai "instalando os softwares" de cada cultura na infância humana. (Geertez in Makl, 2008: 16)

As identidades não seriam construídas pelo própria sociedade, mas por determinados grupos que dirigem ou controla o rumo da cultura, forjando identidades, talvez de forma artificial, ou no mínimo violentando identidades legítimas. Interditando expressões destas identidades e destas culturas. Por isso, concordamos com Geertz quando ele afirma que a Antropologia tem um papel importante na contemporaneidade que é de possibilitar o diálogo entre as diversas linhas societais. Não só para desconstruirmos preconceitos para que tenhamos uma verdadeira cultura de paz e para que sejam possíveis os processos culturais "naturais" se desenvolvam numa perspectiva de democracia e construção de uma cidadania plena.
"O crescimento do homem aconteceu, portanto, no contexto de um ambiente cultural em desenvolvimento. Esse mesmo ambiente deve ser entendido não apenas como uma mera extensão externa do ser humano, um ampliação artificial de capacidades inatas já existentes, mas sim como um fator indispensável da existência dessas próprias capacidades, Instrumentos, caça, organização familiar e, posteriormente, arte, religião e certa forma de conhecimento sobre a natureza ou "Ciência" primitiva moldaram o homem somaticamente, sendo, portanto, necessários não só a sua sobrevivência, mas, também, sua realização existencial "Sem o homem não haveria formas de cultura, mas sem formas de cultura não haveria o homem" conclui Geertz. (citado em Makl, 2008: 16)

Linguagens artísticas e Identidade Cultural
No texto O Brasil Traduzido no Cinema, Flávio Goldmanh nos traz as etapas do processo em que se dar a "tradução da identidade brasileira no cinema nacional", o que colocaríamos como participação desta linguagem artística não só na construção de uma imagem da nossa Nação, mas uma intervenção no próprio processo de construção da nossa identidade. Ou seja, ao se construir uma arte nacional de linguagem cinematográfica colocando fotos da brasilidade em movimento, não era só a "arte nacional" era a própria Nação ou um projeto de Nação que se estava propondo.
E aí Goldmanh coloca muito bem o complexo de inferioridade ou a síndrome de colonizados que acometia nossos artistas audiovisuais ou produtores culturais deste começo do cinema no Brasil. Até que vem um Glauber Rocha, provocando uma ruptura, um Mário de Andrade propondo uma re-leitura da nossa cultura, incluindo as culturas e artes populares, no caso, genuinamente brasileiras. Que não trate apenas do campo imagético mais do essencial também, do intangível das produções, independente de classes sociais ou etnias que compõe a nossa sociedade brasileira.

Foi a partir do movimento modernista, quando procuraram "descobrir o Brasil", como Mário de Andrade, incluindo artes sem esta divisão de popular e culto.
"O ideário modernista definido por Mário na sua conferência sobre o Movimento (1942) reflete-se também sobre a questão do popular: o direito permanente à pesquisa estética brasileira e a estabilização de uma consciência artística brasileira e a estabilização de uma consciência crítica nacional" (Cláudia.1948).
Porém temos que, apesar do movimento modernista ter tido como mecenas a elite cafeicultora, não significa que as produções artísticas populares tenham sido aceita como arte de alta qualidade estética. O que se percebe foi que no Brasil passou-se a ter um processo de circularidade destas estéticas entre a elite artística – as artes cultas -, e a estética das artes populares.
Ainda segundo Cláudia, nos anos 30 e 40 alguns artistas, nestas circularidade das estéticas, "passaram a lidar com a questão do popular".
Cavalcante pinta serestas, mulatas, sambistas, moleques, trabalhadores, favelas, mulheres da vida, casas pobres do interior rural. A sua matéria traduz toda a sensualidade que permeia a vida brasileira em tantos níveis, em particular na representação do corpo feminino, que irradia para toda a composição dos tons quentes da terra. Nos anos 20 temos as xilos de Livio Abramo, com cenas de luta operária. E assim, vamos ver esta temática do povo nos diversos artistas do movimento. (Cláudia. 1948)
A crítica que se faz, é que o verdadeiro universo simbólico e as matrizes estéticas populares não foram realmente compreendias. O antropólogo Paes Loureiro coloca que nem mesmo Mário de Andrade que teve forte influência nesta postura e nesta política cultural de não discriminar as artes populares teve essa compreensão ou percepção, quando, por exemplo, teve contato com as artes ou com a cultura indígena. E aí ele trabalha com o conceito de "poética do imaginário" para propor uma outra epistemologia e outro olhar, não colonizado, de forma a nos aproximar mais destas estéticas, que parte do sentido grego, do significado etmológico deste termo de estética: sensibilidade. Ter-se-ia que se adquirir ou desenvolver a sensibilidade dos povos da floresta em relação as suas referências culturais. E as artes que expressam as identidades destas populações, de forma tradicional ou contemporânea, se referenciam em suas culturas, para as quais nossos instrumentos ou mecanismos que pretendem lhes conferir o estatuto de artes são ilegítimos.
Assim como no cinema, e nas artes plásticas e noutras artes visuais, na literatura também vamos ver estéticas e expressões populares, personagens etc, que também vão revelar o conflito, tensão ou trama social, na correlação de força que mencionamos acima. Com é o caso da presença do negro, do índio ou do nordestino da classe pobre nas obras de pintura, escultura, fotografia, enfim. E aqui, também nestas linguagens vamos ter nosso "Glauber Rochas". Por exemplo, lembramos aqui de Macunaíma de Mario de Andrade, que nos anos 30 contribuiu para o reconhecimento do papel das expressões populares na formação de nossa identidade. Lembramos das obras de aleijadinho, das fotografias de Januário ou de Pupo. E, para incluir uma análise regional podemos assistir a um documentário de Jurandir Costa, sobre os quilombos do Vale do Guaporé, ou sobre os ribeirinhos do Rio Madeira, ou ainda no artesanato de Dona Graça do Município de Candeias do Jamari, ou na Cestaria do artesão Zé Maria, na escultura bio-arte de Homero, de Costa Marques (Forte Príncipe da Beira), na Música de Zezinho Maranhão, Waldson Pinheiro, Bado.
Voltando as produções universais, lembramos ainda do teatro experimental que em São Paulo trouxe para o campo de batalha social e guerrilha cultural, a construção da identidade dos afro-descendentes, que seria uma brasilidade mas com sua face africana ou as chamadas Africanidades do Brasil.
Considerações Finais
Flávio Goldmah, em sua obra na qual pesquisamos, conforme citamos acima, traz a seguinte epígrafe:
Não somos europeus nem americanos do norte. Mas, destituídos de cultura original, nada nos é estrangeiro pois tudo o é. A penosa construção de nós mesmos se desenvolve na dialética rarefeita entre não ser e ser outro." (Paulo Emílio Salles Gomes)
E aí fazemos a seguinte reflexão: qual é mesmo a importância da identidade? Hoje em dia está muito em moda se falar em "identidade cultural", "valorização da diversidade cultural", mas será que, estes conceitos estão esclarecidos e sua importância está sendo informada? Será que mesmo os professores que trabalham num espaço que é um espaço de construção de identidades por excelência, estão conscientes da importância das identidades culturais e da necessidade de sua proteção e de sua difusão? E aí o nosso pensamento ou conclusa não é muito animadora.
Respondendo ao questionamento afirmamos que sem identidade não somos ninguém, pois não sabemos o que somos, vivemos imitando e comprando os produtos dos outros, querendo nos tornar como eles ou aprendizes dos seus modos de ser, de viver, de consumir,enfim, assumimos a condição de inferiores, objetos moldados.
E concluímos colocando aqui a importância dos artistas com suas práticas ao lado dos intelectuais com sua linguagem científica também na discussão do objeto artístico como critica também aos rumos do processo cultural e as influencias das produções artísticas na construção das identidades ou de suas consolidações ou fortalecimentos.


BIBLIOGRAFIA
Bronislaw Malinowski. Argonautas do Pacífico Ocidental. Introdução
Madeira, Angélica e Veloso, Marisa (orgs.). Descobertas do Brasil. Brasília: Editora UnB, 2001.
Madeira, Angélica e Veloso, Marisa. Leituras Brasileiras: Itinerários no Pensamento Social e na Literatura. 2. ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2000.
LARAIA. Roque de Barros. Cultura. Um conceito antropológico. Rio de. Janeiro, Jorge Zahar Editor.1993 /1986] "Segunda parte: como opera a cultura".
MENDONÇA, Mirian da Costa Moreira Manso de. Módulo 6 : Antropologia Cultural: Introdução ao estudo do homem e suas produções culturais. Paginas de 104 – 116. Arte: significados e funções. Brasília: Cidade Gráfica e Editora Ltda., 2008

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