PROLICENCIATURA - Artes Visuais
UnB / IdA / Grupo Arteduca
MÓDULO 06 Antropologia Cultural
ALUNO: Deny Ardaia
TAREFA Atividade 4 – Cultura Popular e Arte
A INFLUENCIA DA CULTURA POPULAR NA PRODUÇÃO ARTÍSTICA BRASILEIRA
Para tratarmos deste assunto é salutar iniciarmos colocando nossa compreensão de cultura, cultura popular e artes. O interesse do uso adequado dos conceitos, ou melhor, do esclarecimento sobre qual visão teórica de cultura de arte e de qual noção de cultura popular aderimos, é uma tentativa - também do uso adequado -, de tornar mais compreensível a análise cultural que pretendemos aqui empreender sobre esta temática, e, também, contextualizando nosso discurso.
Pesquisando no texto “Como a cultura”, de Roque Laraia, onde ele discute o desenvolvimento teórico da antropologia e do conceito de cultura, inclusive focando sua dimensão fisiológica, vimos que a cultura atua fortemente na vida do homem. Laraia nos traz informações no seu texto sobre as explicações da ciência sobre a evolução “biocultural do homem”. É também neste texto que Laraia nos traz a noção da cultura como “lente através da qual o homem vê o mundo”, proposta pó Ruth Benedict, em seu livro O crisântemo e a espada. Por esta perspectiva, concordamos com Laraia e com Benedict de que a cultura condiciona nossa visão de mundo, dando a cada homem, em determinada cultura, uma visão específica e própria, diferenciada sobre determinadas coisas. Como diz o próprio Laraia:
“Homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm visões desencontradas das coisas”. Neste estudo e reflexão de Laraia ele coloca a questão, por exemplo, de que comportamentos, hábitos e expressões, das mais simples, como rir, piscar, são tidos como coisas boas ou ruins dependendo de cada cultura. Podendo o arroto, por exemplo, ser um comportamento bizzarro, exótico ou excêntrico ou um comportamento normal, natural ou até mesmo elegante.
A partir desta premissa, adotamos aqui um conceito amplo de cultura englobando toda a produção material e imaterial - intangível, oral, etc. – de um povo. Seu comportamento, hábitos, valores, pensamentos – idéias – criações, saberes populares, conhecimentos científicos, práticas, tecnologias e, aí, é óbvio, suas artes incluso a literaturas. Portanto, é dentro de todo este universo global da sociedade, da sua existência biológica, física, social, espiritual e imaginária, que chamamos cultura é que situaremos o conceito de arte que adotamos, e faremos nossa análise cultural da produção artística no Brasil, focando a influência que a cultura popular causa nesta produção. Antes, porém, necessário se faz dizermos também o que entendemos por cultura popular, ou com qual noção de cultura popular concordamos.
Miriam Mendonça traz uma boa contribuição para este debate sobre o conceito de cultura
popular. Ela afirma que este é um conceito que está longe de ser definido e que dentro de todo um leque de definições a cultura popular passa pelas concepções de que é um corpus de saber até a idéia de possa ser uma resposta simbólica a determinadas situações, inclusive, chegando-se a atribuir o “papel de resistência contra a dominação de classe [...] aos fatos por ela identificados”.
Nesta discussão, trazemos um recorte do discurso de Miriam da Costa Manso que trata da questão da polêmica conceitual sobre cultura popular. Miriam coloca a questão da visão que muitos autores têm desta cultura como folclore, onde ela destaca elementos como: “objetos, práticas e concepções – sobretudo religiosas e estéticas – consideradas tradicionais” (texto adaptado).
Sobre a questão da noção do que é arte que adotaremos aqui, também uma noção ampla, não pretendendo encerrar toda uma discussão, toda uma polêmica com uma proposta de conceito que se torne inoperante ou sem consistência, com certa volatilidade, mais pensando em construir um sentido polifônico ou o mais plural possível. E, para iniciarmos esta discussão, de forma a termos nosso recorte claro, a nossa conceituação, partirá de um fragmento, de um texto adaptado por Miriam Manso:
“[...] Para decidir o que é arte ou não arte, nossa cultura possui instrumentos específicos. Um deles é o discurso sobre o objeto artístico, ao qual reconhecemos competência e autoridade; nossa cultura também prevê locais específicos onde a arte pode manifestar-se, locais que dão estatuto de arte a um objeto (...) Desse modo, nossa cultura prevê instrumentos que determinam por mim o que é ou não arte”
Discordamos em parte dessa noção de arte, pois entendemos que o próprio conceito de cultura que até agora discutimos está ainda condicionado a visões unilaterais a um construto que remete homogeneidade, unicidade, quando, sobretudo numa nação com a nossa, brasileira tem-se todo um mosaico, toda uma miscelânea, ou melhor, diversas culturas, que ainda não se vêm nessa “cultura nacional”. Então qualquer conceito de arte, no sentido colocado pela Miriam, estaria restrito a uma visão cultural hegemônica. Preferimos utilizar um conceito de arte que seja vinculado a própria natureza artística da subversividade, isto é, deixando essa questão para uma d
eterminação processual que se dá dentro das relações sociais concretas, que também são relações de conflitos. Assim, para nós arte é algo a ser inventado, abstraído e concretizado que mexa com emoções e sentidos, com seus símbolos, mas algo a ser negociado, num contexto dialógico e dialético, de embate mesmo, e concordamos mais com Miriam quando ela traz outra proposta, que é: “Fazer arte é construir com cacos e fragmentos um espelho onde transparece o que há de mais abstrato num grupo humano: a sua organização”.
Como popular entendemos tanto o universo das populações tradicionais – indígenas, quilombolas, ribeirinhos, remanescentes de seringueiros e todos os outros - excluídos social e culturalmente pela elite. Percebemos que este grupo não se situa em termos de temporalidade, mas de situação social mesmo. E esta classificação é
pertinente por conta de que os grupos e indivíduos que se situam nesta categoria são os mesmos grupos visto como “de outra cultura”, “de culturas estranhas”, ou grupos a serem “dominados culturalmente”, tanto no processo educativo formal quanto por meio da massificação da produção da indústria cultural que representa as classes ricas ou manipula o mercado por meio da mídia, massificando o que dá lucro e não o que representa identidades ou diversidades culturais de diversos grupos, ou provocando um processo de homogeneização da sua cultura e de suas artes. No rádio, na televisão, na mídia escrita e na mídia eletrônica. E, o que é pior, na maioria das vezes, com implementações de políticas “públicas” governamentais.
Na realidade, o que percebemos é que existe uma dificuldade em se ter um consenso sobre o conceito de Arte. Em meio a essa dificuldade, levantamos algumas questões: Será que o artista, antes de iniciar uma obra, para pra pensar no conceito de arte? O produzir arte está relacionado ao conceito de arte? Quanto tempo perde o artista pensando no conceito de arte e quanto tempo perde pensando na obra que deve criar?
"A produção artística é, no final das contas, um ato de criação. O artista risca a parede nua e nela surge um bisão onde antes nada havia! Para a lógica das mentes pré-científicas, tal criação devia ter uma contrapartida no mundo exterior, que podia ser tocada e vista. Tão certamente como o artista retratava o bisão na caverna sombria, assim também deveria haver um bisão vivo nas estepes, que podia ser abatido e comido. Para garantir o êxito, o artista ocasionalmente (mas raramente) desenhava o bisão atravessado por uma lança, tal como desejava vê-lo” (CHILDE, 1981: 68-69).
A interpretação que temos sobre a falta de consenso em relação ao conceito de arte nos passa a impressão de que este dissenso seja um bom aspecto da arte, pois neste caso talvez mais do que em qualquer outro o “consenso é burro”, já que a arte, por sua natureza é subversiva pelo fato de nascer da liberdade de expressão, daí ter toda uma dinamicidade, complexidade e polifonia, além de ser um campo político, portanto de conflitos. A produção artística é um ato de criação. Esta reflexão fez lembrar um escultor e poeta acreano, que diz o seguinte: “a escultura não é nada mais nada menos do que se tirar o excesso da árvore, da madeira, da pedra ou de outro material, daí o que resta é a arte, assim como a poesia é se tirar o excesso de palavras (ou que é supérfluo), grifo nosso”.
Outra questão que fica ressaltada quando se analisa a questão conceitual de arte é que pouco se falar do prazer que o artista sente ao criar. Vale lembrar que o prazer da criação não está relacionado à origem do artista. Percebemos bem isso quando observamos obras não comercial; obras que expressam simbolismos ininteligíveis aos expectadores; obras de portadores de limitações físicas e doenças mentais. Essas obras são muito estudadas pela psicologia com o objetivo de entender os mecanismos de criação mental do ser humano assim como o grau de motivação que possuem. Como podemos perceber nas palavras da Professora Diva Albuquerque Maciel...”dizemos que uma pessoa está intrinsecamente motivada quando ela faz alguma coisa simplesmente pelo prazer de fazer. A atividade é a sua própria recompensa.” (2008.p.115). Um detalhe que não podemos esquecer: existem obras acidentais onde a razão não se apresenta na hora de sua criação, aparece por acaso. Esse tipo de acidente deverá pesar na hora de conceituar obra de arte?
A felicidade poderá levar a um estado de criação, mas também poderemos retirar inspirações para as obras de arte das nossas dores, angustias, desejos, filosofia, ideologia, conhecimento sobre determinadas áreas, costumes. Então, com tantas influências existentes aguçando a mente do criador, dificilmente poderá se chegar a um conceito fechado sobre arte. Em relação aos desenhos das cavernas, a simples satisfação de estar de barriga cheia, a certeza que não foi devorado pela fera, já era motivo suficiente pra sair pintando o sete.
Não queremos dizer com tudo isso que estejamos negando os grandes pensadores que se debruçaram sobre a História da Arte em busca de um conceito, queremos dizer apenas que a arte nos apresenta de maneira muito simples e ao alcance de todos a ponto de não imaginarmos a mesma de maneira fragmentada entre arte popular e arte propriamente dita. Acreditamos em arte, sem distinção. E vemos com maus olhos a intenção dessa separação – arte popular: arte da classe dominada e, arte propriamente dita como arte da elite, classe dominante. Para essa conclusão seguimos os pensamentos de Vygotsky citado por Maciel,2008.p.89.
“...contrariamente ao que o senso comum tem propagado, todas as pessoas são capazes de criar, de serem criativas, não só as bem educadas, pertencente a elite econômica e intelectual, mas as pessoas da classe popular também. Além disso compreende desde tenra infância as pessoas podem ser criativas e que a educação, na família e na escola, pode proporcionar mais ou menos oportunidades de desenvolvimento dos processos criativos, dependendo da maneira como os educadores atuam junto aos jovens.”
Seguindo a linha de raciocínio que estamos tentados a seguir, observemos, as duas criações abaixo:
Exemplo 1
Com o sonho eu sonho, durmo e sonho.
Os outros vão cantando.
Eu canto pra tornar feliz os outros
Que cantarão meu sonho.
Outros cantam no sonho
E eu durmo e sonho o que os outros cantarão. (Poema Xavante)
Exemplo 2
Alguém cantando longe daqui
Alguém cantando longe, longe
Alguém cantando muito Alguém cantando bem
Alguém cantando é bom de se ouvir
Alguém cantando alguma canção
A voz de alguém nessa imensidão
A voz de alguém que canta
A voz de um certo alguém
Que canta como que pra ninguém
A voz de alguém quando vem do coração
De quem mantém toda a pureza
Da natureza
Onde não há pecado nem perdão
Onde não há pecado nem perdão (Caetano Veloso)
Observando os dois poemas, por mais que saibamos a quem são atribuídos suas criações, não conseguiremos perceber quem é de elite e quem é popular. Ambas são obras fantásticas com graus de sensibilidades imensuráveis.
Em seu livro Cultura – Um conceito antropológico, p.25, Laraia diz que “a cultura...tomada em seu amplo sentido etnográfico como este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.”
Não diferente de Laraia, mas de maneira simplificada BURKE, 1989, p.21 afirma que “a cultura é um sistema de significados, atitudes e valores compartilhados, e as formas simbólicas nas quais eles se expressam ou se incorporam.” Este último, por sua vez, trás a questão do compartilhamento entre todas as características citadas na maioria dos conceitos. O compartilhamento dá um caráter dinâmico à cultura, como também institui o fator de modificação constante com o processo de interrelacionamento. Na medida em que os povos vão se conhecendo e trocando experiências, relatando o porquê de cada detalhe vivido através dos costumes de seu povo a sensação de estranheza tende a se tornar cada vez menor. Hábitos culinários de determinados povos orientais, que até o século XIX, eram depreciados, hoje, estão ocidentalizados e tornando-se comuns entre nós, como é o caso do consumo de peixes crus, e outras iguarias.
Lux Vidal, 2001. p.13 afirma que para Geetz, um discurso genérico sobre a arte parece inútil. A ação sobre a matéria não é criadora por si mesma. É preciso remetê-la à dinâmica geral da experiência humana. Sendo assim, os trabalhos de arte acabam por ter uma significação cultural localmente elaborada. Vidal afirma que “Lévi-Strauss consegue nos convencer de que a emoção estética está diretamente ligada ao valor cognitivo da obra de arte ou, inversamente, uma emoção estética acompanha sempre o ato do conhecimento” op.cit.
A produção de Arte, segundo Vidal, está ligada a experiência e vice-versa, independente de ser um conhecimento empírico ou teórico. Dessa maneira tudo se justifica, caso contrário, grande parte das obras que conhecemos hoje como Arte desapareceria pelo fato da maioria dos artistas trabalharem de maneira intuitiva e essas obras seriam desclassificadas por não possuir um valor cognitivo. Então valor cognitivo seria o fator de definição da obra como sendo Arte? Talvez. Afirmar categoricamente sobre esse pressuposto é decretar aquilo que ninguém quis afirmar até agora - fazer Arte é um privilégio de quem possui conhecimento. Dessa maneira surge a pergunta: Em que sentido, formal ou informal?
De maneira alguma pode se falar em Arte sem levar em conta a contribuição popular, pode-se dizer que a Arte é uma nascente que apesar de muito fraca vai se juntar as outras que irão formar um rio que irá desemborcar num mar. As grandes idéias que existem hoje são frutos de pequenas idéias, às vezes concebidas e incompreendidas pelos homens da época de sua criação, mas por não serem abandonadas foram aos poucos aceitas. Às vezes quebrando tabus, ferindo os costumes e rompendo barreiras seculares até chegar a nosso tempo. Muitos dos que são conhecidos como Grandes hoje, pereceram por terem sido do povo, várias obras receberam seus devidos valores muito depois de seus criadores terem sidos consumidos pela miséria, pelas doenças populares e drogas, muitos não conseguiram tirar das obras vinténs para seus alimentos e pereceram pelo caminho, sem dinheiro, sem fama e muitos ainda foram chamados de malditos. Precisou que a História resgatasse, depois de muito tempo, suas obras, mas dessa vez, transvertida de valores elitistas e posta em pedestais de museus, palácios e lares de magnatas.
Além dos objetos populares "transvertidos de valores elitistas", podemos encontrar outros elementos ou aspectos a serem apontados no mundo das artes, como o que chamamos de "circularidade", onde a arte da elite se apropria de estéticas e poéticas da cultura e arte populares, provocando um vai-e-vem desses elementos, de forma vertical entre as classes sociais. Podemos perceber claramente essa apropriação nas plumagens das fantasias de carnaval, que embora em sua origem seja uma manifestação popular, na realidade é bastante elitizada e que na verdade não se tem um sentido autoral das estéticas indígenas ou uma consciência desses elementos enquanto produção deste seguimento étnico social. Outro exemplo neste sentido é caso Bloco Afoxé Filhos de Gandhi, na Bahia. Neste caso, sabemos que a massa popular, na verdade fica fora da corda. A música, a dança e as estéticas corporais são do povo negro, dos terreiros de candomblé, enfim, estéticas de matrizes africanas, ressignificadas no Brasil a qual conhecemos por artes afro-brasileiras, porém apropriadas pela indústria cultural e de entretenimento. Mencionamos também a apropriação de patrimônios imateriais como coreografias de danças dos povos indígenas em festas e folguedos como o Boi Bumbá, em Parintins, onde vemos passos do toré, com destaque da religiosidade indígena e afro-indígena como da chamada Jurema onde os espíritos de caboclos da floresta se manifestam nos terreiros de trabalhos espirituais e rituais xamânicos. Ou seja, nestes dois exemplos temos um candomblé de rua, e uma pajelança ou encantaria também de rua (transfiguradas em vestes profanas). Servindo a indústria do turismo, do entretenimento e da cultura.
Voltando o foco para a questão da cultura popular, tradicional, neste nosso olhar sobre sua relação com as artes, continuemos vendo a cultura indígena. Sabemos, a princípio, da grande diferença entre a cultura não-índia e a indígena. E, olhando-a especificamente, temos que reconhecer que possui seus valores, raízes ou referências próprias, totalmente diferenciadas das raízes, referências e valores da outra (branca européia). Assim, por exemplo, os rios, a floresta, a própria terra são matrizes simbólicas para eles, já para nós de cultura ocidental de matrizes européias com forte presença da cultura judaico-cristã, a terra é bem econômico, é algo a e ser explorado, a qualquer custo, os rios também são bens ou apenas vias de transportes ou fornecedores de produtos vendáveis (o peixe) a floresta é uma mina de matéria prima para móveis, a ser depredada. Portanto, toda a cultura não índia já distorce o que é essencial na cosmogonia indígena, na sua visão de mundo, nas suas matrizes simbólicas que são fontes de produções artísticas e culturais.
Outra questão que nos remete ainda aquela visão de Jean-Jacques Rousseau, do mito do bom selvagem (indígena), que, embora conote uma visão positiva deste seguimento étnico produz um outro discurso, que é aquele de que, tudo que se encontra em “estado natural”, conota primitivo, ou seja, significa também, que não evoluiu não se tornou elaborado. Neste e em outros sentidos os indígenas são ainda vistos como sociedades a - históricas. Um contexto que se insere também o equívoco sobre suas produções estéticas. O mesmo ocorre com outro grupo social, que foi e é importante, na composição da sociedade brasileira, os afro-descendentes.
Aqui recorremos, novamente, a contribuição de Lélia Coelho (1980. p 15)
“Desde que publiquei Mitopoética de nove artistas brasileiros (1975) que enfocava pela primeira vez a vida e o trabalho de indivíduos criadores procedentes de camadas pobres, tive a preocupação permanente de aproximar estética e antropologia, e de contextuar social e historicamente uma produção que até então era apresentada como anônima, anedótica, estática e, acima de tudo, em conceito [...] Pintores e escultores, segundo a nomenclatura então vigente na história da arte, esses criadores não haviam recebido tratamento crítico, e mesmo editorial, à altura dos seus pares das camadas altas camadas sociais (...) Uma verdadeira arte pública é praticada nas cidades por indivíduos como Antonio de Oliveira (1912-1996), exibindo figuras esculpidas do foi vendo ao longo do tempo, verdadeira memória “escrita” através de suas esculturas [...] Certamente existiram, no país, outros casos assemelhados a esses, pedindo registro (...) Mas será fundamentalmente a partir do pensamento e da ação de Mário de Andrade que a geração dos modernistas partirá para a “descoberta do Brasil”, sem discriminar entre o popular e o culto, fator que contribuirá fortemente para a abordagem da vida e do saber das camadas baixas (...) O ideário modernista definido por Mário na sua conferência sobre o Movimento (1942) reflete-se também sobre a questão do popular: “o direito permanente à pesquisa estética brasileira e a estabilização de uma consciência artística brasileira e a estabilização de uma consciência crítica nacional”.
Bom, partindo então - de sobrevôo - das produções artísticas indígenas, do período colonial e pelas produções dos negros africanos escravizados ou já livres, podemos lembrar que pinturas corporais, plumagens, estatuetas, cerâmicas (produções artísticas tradicionais), e chegando até hoje, em suas produções contemporâneas, percebemos que há sim uma relação de depreciação ou de estereotipia onde a fruição ou consumo destas produções se dão, mas no sentido do exótico do que dos símbolos constitutivos de identidades culturais, de obras artísticas originais, produzidas com alto nível de complexidade estética. No entanto, além de se ter outras matrizes simbólicas e uma outra poética, as artes indígenas e afro-brasileiras, seja na visualidade, em linguagens que revelam expressões imagéticas que referenciam seus patrimônios culturais suas identidades, inclusive a fotografia, seja, em outras linguagens como a música, e de ser notório as grandiosas influências nas artes do Brasil, a relação com o público ainda é de expropriação, canibalização, re-significação. Embora já haja produções científicas que revelam todo um trânsito de elementos estéticos de produção popular, indígena e afro-brasileira, ou mesmo de camadas populares não-índias. Revelando um movimento vertical, onde as artes “de baixo” se fazem presentes nas “artes de cima”, tornando ainda mais difícil, hoje em dia, se delimitar, em algumas linguagens artísticas, uma fronteira entre arte culta ou erudita e arte popular.
Ana Cláudia de Oliveira, em sua obra Neolítico: arte moderna, cita publicações com objetos africanos que só chegaram ao conhecimento do Ocidente em 1916. Em sua obra Cláudia aponta a importância dos museus etnográficos, como o Museu de Trocadero para o acesso a estas obras até então desconsideradas como artes de valor relevante, colocando acervos a disposção possibilitando o contato dos artistas europeus. Embora a exposição destas obras em certos museus tenha sido feito numa concepção museológica que foca mais a questão antropológica do que propriamente artística, como também não as tratando de forma conceitual e contextualizada, além de não dar um tratamento aos artistas africanos como tratam seus pares brancos. E outro questionamento é que muitos destes museus passaram a possuí-las de forma criminosas, nas formas de apropriações indevidas.
Apesar disto, segundo Cláudia,op.cit. “críticos de arte como Guillaume, Apolinaire, Matisse, Picasso, Braque e Vlaminck circulavam nestas exposições” e coloca a e comenta sobre os efeitos que estas obras causaram. Foi aí que Picasso, em 1907 “conscientizou-se do papel mediador das máscaras e esculturas africanas”. Picasso “percebeu que não se tratava de simples adornos, mas esculturas de qualidade”.
Hoje se sabe que aquela revolução que ocorreu na história das artes, com a criação do cubismo, teve como fonte estas artes populares, de grupos minoritários. Foi desta fonte popular que vei inspirações para obras primas como a famosa Lês demoiselles d’Avignon (1906-1907), e Cabeça (1907).
No Brasil, tivemos trabalhos de escravos ou negros libertos que, como sujeitos inventivos deixaram suas marcas em altares de Minas Gerais, com entalhes, esculturas e pinturas revelando, sutilmente traços afros. Onde poucos afro-descendentes tiveram destaques, como Aleijadinho.
Foi a partir do movimento modernista, quando procuraram “descobrir o Brasil”, como Mário de Andrade, incluindo artes sem esta divisão de popular e culto. Cláudia coloca que:
“O ideário modernista definido por Mário na sua conferência sobre o Movimento (1942) reflete-se também sobre a questão do popular: o direito permanente à pesquisa estética brasileira e a estabilização de uma consciência artística brasileira e a estabilização de uma consciência crítica nacional” (1948)op.cit.
Porém temos que, apesar do movimento modernista ter tido como mecenas a elite cafeicultora, não significa que as produções artísticas populares tenham sido aceita como arte de alta qualidade estética. O que se percebe foi que no Brasil passou-se a ter um processo de circularidade destas estéticas entre a elite artística – as artes cultas -, e a estética das artes populares.
Ainda segundo Cláudia, nos anos 30 e 40, alguns artistas, nestas circularidade das estéticas, “passaram a lidar com a questão do popular”.
Cavalcante pinta serestas, mulatas, sambistas, moleques, trabalhadores, favelas, mulheres da vida, casas pobres do interior rural. A sua matéria traduz toda a sensualidade que permeia a vida brasileira em tantos níveis, em particular na representação do corpo feminino, que irradia para toda a composição dos tons quentes da terra. Nos anos 20 temos as xilos de Livio Abramo, com cenas de luta operária. E assim, vamos ver esta temática do povo nos diversos artistas do movimento. op.cit.
A crítica que se faz, é que o verdadeiro universo simbólico e as matrizes estéticas populares não foram realmente compreendias. O antropólogo Paes Loureiro coloca que nem mesmo Mário de Andrade que teve forte influência nesta postura e nesta política cultural de não discriminar as artes populares teve essa compreensão ou percepção, quando, por exemplo, teve contato com as artes ou com a cultura indígena. E aí ele trabalha com o conceito de “poética do imaginário” para propor uma outra epistemologia e outro olhar, não colonizado, de forma a nos aproximar mais destas estéticas, que parte do sentido grego, do significado etmológico deste termo de estética: sensibilidade. Ter-se-ia que se adquirir ou desenvolver a sensibilidade dos povos da floresta em relação as suas referências culturais.
BIBLIOGRAFIAS
BURKE, Peter. Cultura popular na idade moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
LARAIA, Roque. Como Opera a Cultura.
Lélia Coelho (1980. p 15)
MACIEL, Diva Albuquerque. Módulo 5: Psicologia e Construção do Conhecimento. Brasília: Cidade Gráfica e Editora Ltda, 2008. 138 p.
MANSO, Mirian da Costa. Módulo 6 : Antropologia Cultural: Introdução ao estudo do homem e suas produções culturais. Paginas de 104 – 116. Arte: significados e funções. Brasília: Cidade Gráfica e Editora Ltda, 2008. 132 p.
McLAREN, Peter, Multicuturalismo Revolucionário: pedagogia do dissenso para o novo milênio. Porto Alegre: Artes Medicas Sul, 2000. 304 p.
OLIVEIRA, Ana Cláudia de, Neolítico: arte moderna, 1916.
VIDAL, Lux , As Artes Indígenas e Seus Múltiplos Mundos in.Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº 29/2001, 408 p.