terça-feira, 21 de setembro de 2010


Práticas Cotidianas Atuais de Povos Indígenas

Antigamente, a Educação Indígena era passada de pai para filho e de mãe para filha indistintamente, a preservação das características artisticas/culturais de uma tribo e os saberes eram passados por orientações verbais. Os detalhes dos artefatos eram copiados antes que a peça anterior se deteriorasse devido ao uso e o interesse em aprender a fazer os utensílios era natural ao índio de tal modo que conseguiram preservar seus conhecimentos utilizando-se de estratégias pedagógicas simples. Era da mãe a tarefa de passar os conhecimentos artísticos às filhas e isso acontecia enquanto ela vivesse, davam as orientações iniciais e dessa maneira os traçados culturais da obra iam se fixando na memoria da índia artesã. O saber artístico da mulher era referência para a formação da família, pela lógica do índio, ter conhecimento das tradições significava que aquela menina/mulher seria uma boa esposa e, consequentemente, uma boa mãe que saberia passar aos seus descendentes os conhecimentos que
havia adquirido com seus ancestrais, perpetuando assim, não somente a raça, como o fator de identificação etnico racial da tribo.

Até bem pouco tempo atrás as características educacionais das sociedades indígenas eram apenas de caráter familiar, os filhos aprendiam suas atividades observando o trabalho da mãe e do pai. Em alguns povos o homem era responsável pela caça e pesca. A mulher era responsável pela plantação, preparo de alimentos e zelo pelas crianças a seu redor. Quando a criança se afastava, a natureza (Tupã) era responsável por ela. Neste caso o “deixar se afastar” também era característica da educação indígena, ao contrário da educação dos não índios que tendem a manter os filhos sempre próximos com a intenção de rotege-los.

Atualmente no Brasil ainda existem tribos isoladas e algumas que nunca tiveram contato com brancos (fronteira do Estado do Acre com o Peru http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2903379-EI6581,00.html). Imagino que a educação desses povos continua como antes da chegada de Cabral por aqui. Mas na maioria das aldeias de índios brasileiros já existe uma escola de linha tradicional branca, com salas de aulas, quadro de giz, giz, professor não índio. No município de Guajará-Mirim(Rondônia), existem vinte e duas etnias, distribuídas em nove Postos Indígenas (entre 300 e 600 índios) e vinte e cinco Aldeias (do menor número até 300 índios). Entre esses povos estão os falantes da língua pacaás-novos de raiz Tchapacura que são Oro-não, Oro-ew, oro-at, oro-mon, oro-waran, Oro-waran-xijein, Oro-jowi, Cao-orowaje, ajwru. Os povos que possuem língua própria são Canoé, Macurap, Jabuti, Arwa, Cassupa, Tupari, Aricapu, Surui, Cujubim e outros que não tem aldeias próprias.


CAMPELLO, Sheila Maria Conde Rocha. GUIMARÃES, Leda Maria de Barros – História da Arte Educação 1 – Módulo 14, Duo Print. Rio de Janeiro, 2009. 56p.

Professora índia EVA CANOÉ - Secretaria de Estado da Educação – Representação de Ensino de Guajará-Mirim – Coordenação de Educação Indígena.


domingo, 22 de agosto de 2010

COMO OPERA A CULTURA

PROLICENCIATURA - Artes Visuais
UnB / IdA / Grupo Arteduca
MÓDULO 6 - Antropologia
ALUNO: Deny Ardaia da Silva

FICHAMENTO
COMO OPERA A CULTURA Por Roque de Barros Laraia
A CULTURA CONDICIONA A VISÃO DE MUNDO DO HOMEM
1 Ruth Benedict escreveu em seu livro O crisântemo e a espada[1] que a cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo. Homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm visões desencontradas das coisas.
A nossa herança cultural, desenvolvida através de inúmeras gerações, sempre nos condicionou a reagir depreciativamente em relação ao comportamento daqueles que agem fora dos padrões aceitos pela maioria da comunidade. Por isto, discriminamos o comportamento desviante.
O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma he rança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma de terminada cultura.

Graças ao que foi dito acima, podemos entender o fato de que indivíduos de culturas diferentes podem ser facilmente identificados por uma série de características, tais como o modo de agir, vestir, caminhar, comer, sem mencionar a evidência das diferenças lingüísticas, o fato de mais imediata observação empírica.
Mesmo o exercício de atividades consideradas como parte da fisiologia humana podem refletir diferenças de cultura. Tomemos, por exemplo, o riso. Rir é uma propriedade do homem e dos primatas superiores. O riso se expressa, primariamente, através da contração de determinados músculos da face e da emissão de um determinado tipo de som vocal. O riso exprime quase sempre um estado de alegria. Todos os homens riem, mas o fazem de maneira diferente por motivos diversos.

O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem como conseqüência a propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural. Tal tendência, denominada de etnocentrismo é responsável em seus casos extremos pela ocorrência de numerosos conflitos sociais.
O etnocentrismo de fato, é um fenômeno universal. É comum a crença de que a própria sociedade é o centro da humanidade, ou mesmo a sua única expressão. As autodenominações de diferentes grupos refletem este ponto de vis ta...Tais crenças contêm o germe do racismo, da intolerância, e, freqüentemente são utilizadas para justificar a violência praticada contra os outros.
A dicotomia “nós e os outros” expressa em níveis diferentes essa tendência. Dentro de uma mesma sociedade a divisão ocorre sob a forma de parentes e não-parentes. Os primeiros são melhores por definição e recebem um trata­mento diferenciado. A projeção desta dicotomia para o plano extragrupal resulta nas manifestações nacionalistas ou formas mais extremadas de xenofobia.
O ponto fundamental de referência não é a humanidade, mas o grupo. Daí a reação, ou pelo menos a estranheza, em relação aos estrangeiros. A chegada de um estranho em determinadas comunidades pode ser considerada como a quebra da ordem social ou sobrenatural. Os Xamã Surui (índios Tupi do Pará) defumam com seus grandes charutos rituais os primeiros visitantes da aldeia, a fim de purifica-los e torná-los inofensivos.
O costume de discriminar os que são diferentes, por que pertencem a outro grupo, pode ser encontrado mesmo dentro de uma sociedade. A relação de parentesco consangüíneo afim pode ser tomada como exemplo
Comportamentos etnocêntricos resultam também em apreciações negativas dos padrões culturais de povos diferentes. Práticas de outros sistemas culturais são catalogadas como absurdas, deprimentes e imorais.
2. A CULTURA INTERFERE NO PLANO BIOLÓGICO
Vimos, acima, que a cultura interfere na satisfação das necessidades fisiológicas básicas. Veremos, agora, como ela pode condicionar outros aspectos biológicos e até mesmo decidir sobre a vida e a morte dos membros do sistema.
Comecemos pela reação oposta ao etnocentrismo, que é a apatia. Em lugar da superestima dos valores de sua própria sociedade, numa dada situação de crise os membros de uma cultura abandonam a crença nas mesmas e, conseqüentemente, perdem a motivação que os mantém unidos e vi vos. Diversos exemplos dramáticos deste tipo de comporta mento anômico são encontrados em nossa própria história.
Os africanos removidos violentamente de seu continente (ou seja, de seu ecossistema e de seu contexto cultural) e transportados como escravos para uma terra estranha, habitada por pessoas de fenotipia, costumes e línguas diferentes, perdiam toda a motivação de continuar vivos. Mui­tos foram os suicídios praticados, e outros acabavam sendo mortos pelo mal que foi denominado de banzo. Traduzido como saudade, o banzo é de fato uma forma de morte de corrente da apatia.
É muito rica a etnografia africana no que se refere às mortes causadas por feitiçaria. A vítima, acreditando efetivamente no poder do mágico e de sua magia, acaba realmente morrendo. Pertti Pelto descreve esse tipo de morte como sendo conseqüência de um profundo choque psicofisiológico: “A vítima perde o apetite e a sede, a pressão sangüínea cai, o plasma sangüíneo escapa para os tecidos e o coração deteriora. Ela morre de choque, o que é fisiologicamente a mesma coisa que choque de ferimento na guerra e nas mortes de acidente de estrada”. E de se supor que em todos os casos relatados o procedimento orgânico que leva ao desenlace tenha sido o mesmo.
A cultura também é capaz de provocar curas de doenças, reais ou imaginárias. Estas curas ocorrem quando existe a fé do doente na eficácia do remédio ou no poder dos agentes culturais. Um destes agentes é o xamã de nossas sociedades tribais (entre os Tupi, conhecidos pela denominação de pai’é ou pajé). Basicamente, a técnica de cura do xamã consiste em uma sessão de cantos e danças, além da defumação do paciente com a fumaça de seus grandes charutos (petin), e a posterior retirada de um objeto estranho do interior do corpo do doente por meio de sucção. O fato de que esse pequeno objeto (pedaço de osso, insetos mor tos etc.) tenha sido ocultado dentro de sua boca, desde o inicio do ritual, não é importante. O que importa é que o doente é tomado de urna sensação de alivio, e em muitos casos a cura se efetiva.
3. OS INDIVÍDUOS PARTICIPAM DIFERENTEMENTE DE SUA CULTURA
A participação do indivíduo em sua cultura é sempre limitada; nenhuma pessoa é capaz de participar de todos os ele mentos de sua cultura. Este fato é tão verdadeiro nas sociedades complexas com um alto grau de especialização, quanto nas simples, onde a especialização refere-se apenas as determinadas pelas diferenças de sexo e de idade.
Com exceção de algumas sociedades africanas — nas quais as mulheres desempenham papéis importantes na vida ritual e econômica —, a maior parte das sociedades humanas permite uma mais ampla participação na vida cultural aos elementos do sexo masculino. Grande parte da vida ritual do Xingu, por exemplo, é interditada às mulheres. Estas não podem ver as flautas Jacui e as que quebram esta interdição sofrem o risco de graves sanções. Em alguns segmentos de nossa sociedade, o trabalho fora de casa é considerado inconveniente para o sexo feminino. Como já discutimos este tema na primeira parte deste trabalho, quando trata mos dos determinismos biológicos; vamos nos limitar a uma discussão mais ampla das restrições decorrentes das categorias etárias.
E óbvio que a participação de um indivíduo em sua cultura depende de sua idade. Mas é necessário saber que esta afirmação permite dois tipos de explicações: uma de ordem cronológica e outra estritamente cultural.
Existem limitações que são objetivamente determina das pela idade: uma criança não está apta para exercer certas atividades próprias de adultos, da mesma forma que um velho já não é capaz de realizar algumas tarefas. Estes impedimentos decorrem geralmente da incapacidade do desempenho de funções que dependem da força física ou agilidade, como as referentes à guerra, à caça etc. Entre outras funções podemos incluir as que dependem do acúmulo de uma
experiência obtida através de muitos anos de preparação. Torna-se fácil entender porque estas são interditadas às crianças e aos jovens e reservadas às pessoas maduras, como certos cargos políticos etc.
Os grupos tribais utilizam métodos mais evidentes para estabelecer esta distinção: uma moça é considerada adulta logo após a primeira menstruação, podendo a seguir exercer plenamente todos os papéis femininos. Em contra partida, pode-se afirmar que é evidente que urna jovem de 12 ou 13 anos não está ainda adequadamente socializada para exercer esses papéis numa sociedade complexa. Mas mesmo numa sociedade simples a determinação idêntica para um jovem do sexo masculino não parece ser tão fácil. Provavelmente depende do desempenho individual dos candidatos a um novo status.
Mas, qualquer que seja a sociedade, não existe a possibilidade de um individuo dominar todos os aspectos de sua cultura. Isto porque, como afirmou Marion Levy Jr.[6], “nenhum sistema de socialização é idealmente perfeito, em nenhuma sociedade são todos os indivíduos igualmente bem socializados, e ninguém é perfeitamente socializado. Um indivíduo não pode ser igualmente familiarizado com todos os aspectos de sua sociedade; pelo contrário, ele pode permanecer completamente ignorante a respeito de alguns aspectos”. Exemplificando: Einstein era um gênio na física, um medíocre violinista e, provavelmente, seria um completo desastre como pintor.

O importante, porém, é que deve existir um mínimo de participação do individuo na pauta de conhecimento da cultura a fim de permitir a sua articulação com os demais membros da sociedade Todos necessitam saber como agir em determinadas situações e, também, como prever o comportamento dos outros. Somente assim é possível o controle de determinadas ações. Apesar disso tudo há sempre o risco de perda do controle da situação, porque “em nenhuma sociedade todas condições são previsíveis e controladas”.[7]
De fato, os indivíduos podem perder o controle da situação, embora na maioria dos casos isto não seja verdadeiro. E não o é porque o conhecimento mínimo referido abrange um certo número de padrões de comportamento que são regulares e, portanto, permitem a previsão.
4. A CULTURA TEM UMA LÓGICA PRÓPRIA
Já foi o tempo em que se admitia existir sistemas culturais lógicos e sistemas culturais pré-lógicos. Levy-Bruhl, em seu livro A mentalidade primitiva[10], admitia mesmo que a humanidade podia ser dividida entre aqueles que possuíam um pensamento lógico e os que estavam numa fase pré-lógica. Tal afirmação não encontrou, por parte dos pesquisadores de campo, qualquer confirmação empírica. Todo sistema cultural tem a sua própria lógica e não passa de um ato primário de etnocentrismo tentar transferir a lógica de um sistema para outro. Infelizmente, a tendência mais comum é de considerar lógico apenas o próprio sistema e atribuir aos demais um alto grau de irracionalismo.
A coerência de um hábito cultural somente pode ser analisada a partir do sistema a que pertence.
Um trabalho fundamental para a compreensão deste problema é o livro de Claude Lévi-Strauss, O pensamento selvagem[11], que refuta a abordagem evolucionista de que as sociedades simples dispõem de um pensamento mágico que antecede o científico e que, portanto, lhe é inferior. “O pensamento mágico — diz Lévi-Strauss — não é um começo, um esboço, uma iniciação, a parte de um todo que não se realizou; forma um sistema bem articulado, independente deste outro sistema que constituirá a ciência, salvo a analogia formal que as aproxima e que faz do primeiro uma ex pressão metafórica do segundo.” Assim, ao invés de um continuo magia, religião e ciência, temos de fato sistemas simultâneos e não-sucessivos na história da humanidade.
A ciência não depende da dicotomia entre os tipos de pensamento citados acima, mas de instrumentos de observação, pois como enfatizou Lévi-Strauss: “o sábio nunca dialoga com a natureza pura, senão com um determinado esta­do de relação entre a natureza e a cultura, definida por um período da história em que vive, a civilização que é a sua e os meios materiais que dispõem”.
Sem estes meios materiais o homem tem que tirar conclusões a partir de sua observação direta, valendo-se apenas do instrumental sensorial que dispõe. Assim, não é nada ilógico supor que é o Sol que gira em torno da Terra, pois é esta sua sensação. Uma conhecida nossa perguntou a um caipira paulista como é que o sol morre todos os dias no oeste e nasce no leste “Ele volta apagado durante a noite”, foi a resposta que obteve. Menos que um pensa mento absurdo, trata-se de uma outra concepção a respeito do universo, obviamente diferente da nossa, que dispomos das informações obtidas por sofisticados observatórios astronômicos.
Sem o auxilio do microscópio é impossível imaginar a existência de germes, dai ser mais fácil admitir que as doenças são decorrentes da intromissão de seres sobrenaturais malignos. E, conseqüentemente, o tratamento deve ser formulado a partir de sessões xamanísticas, capazes de controlar e exorcizar essas entidades.
O que podemos deduzir da analogia formulada por Needham é que cada cultura ordenou a seu modo o mundo que a circunscreve e que esta ordenação dá um sentido cultural à aparente confusão das coisas naturais. É este procedimento que consiste em um sistema de classificação.
5. A CULTURA É DINÂMICA
Podemos agora afirmar que existem dois tipos de mu­dança cultural: uma que é interna, resultante da dinâmica do próprio sistema cultural, e uma segunda que o resultado do contato de um sistema cultural com um outro.
No primeiro caso, a mudança pode ser lenta, quase impercebível para o observador que não tenha o suporte de bons dados diacrônicos. O ritmo, porém, pode ser alterado por eventos históricos tais como uma catástrofe, uma grande inovação tecnológica ou uma dramática situação de contato.
O segundo caso, como vimos na afirmação do Manifesto sobre aculturação, pode ser mais rápido e brusco. No caso dos índios brasileiros, representou uma verdadeira catástrofe. Mas, também, pode ser um processo menos radical, onde a troca de padrões culturais ocorre sem grandes traumas.
Este segundo tipo de mudança, além de ser o mais estudado, é o mais atuante na maior parte das sociedades humanas. É praticamente impossível imaginar a existência de um sistema cultural que seja afetado apenas pela mudança interna. Isto somente seria possível no caso, quase absurdo, de um povo totalmente isolado dos demais. Por isto, a mudança proveniente de causas externas mereceu sempre uma grande atenção por parte dos antropólogos. Para ateu dê-la foi necessário o desenvolvimento de um esquema conceitual específico. Surge, então, o conceito de aculturação, utilizado desde o início do século pela antropologia alemã e a partir de 1928 pelos antropólogos anglo-saxões. Através destes o conceito atinge o nosso meio acadêmico, mas somente passa a ser utilizado amplamente a partir dos anos 50, depois que Eduardo Galvão apresentou o seu “Estudo de Aculturação dos Grupos Indígenas Brasileiros” na I Reunião Brasileira de Antropologia, em 1953.
São essas aparentemente pequenas mudanças que cavam o fosso entre as gerações, que faz com que os pais não se reconheçam nos filhos e estes se surpreendam com a “caretice” de seus progenitores, incapazes de reconhecer que a cultura está sempre mudando.
O tempo constitui um elemento importante na análise de uma cultura. Nesse mesmo quarto de século, muda ram-se os padrões de beleza. Regras morais que eram vigentes passaram a ser consideradas nulas...Entretanto, elas não ocorrem com a tranqüilidade que descrevemos. Cada mu dança, por menor que seja, representa o desenlace de numerosos conflitos. Isto porque em cada momento as sociedades humanas são palco do embate entre as tendências conservadoras e as inovadoras. As primeiras pretendem manter os hábitos inalterados, muitas vezes atribuindo aos mesmos uma legitimidade de ordem sobrenatural. As segundas contestam a sua permanência e pretendem substitui-los por novos procedimentos.
Talvez seja mais fácil explicar a mudança raciocinando em termos de padrões ideais e padrões reais de comportamento. Nem sempre os padrões ideais podem ser efetiva dos. Neste caso, as pessoas agem diferentemente (esta ação constitui os padrões reais), mas consideram que os seus procedimentos não são exatamente os mais desejados pela sociedade.
Concluindo, cada sistema cultural está sempre em mu­dança. Entender esta dinâmica é importante para atenuar o choque entre as gerações e evitar comportamentos preconceituosos. Da mesma forma que é fundamental para a humanidade a compreensão das diferenças entre povos de culturas diferentes, é necessário saber entender as diferenças que ocorrem dentro do mesmo sistema. Este é o único procedimento que prepara o homem para enfrentar serenamente este constante e admirável mundo novo do porvir.
Anexo 1: UMA EXPERIÊNCIA ABSURDA
...não há nenhuma língua humana natural e, portanto, nenhuma língua humana orgânica.
...a linguagem, para o indivíduo humano como para a raça humana, é uma coisa inteiramente adquirida e não hereditária, completamente externa e não interna — um produto social e não um crescimento orgânico.1
... isso sugere não existir o que chamamos de natureza humana independente da cultura. Os homens sem cultura não seriam os selvagens inteligentes de Lord of the Flies, de Golding, atirados à sabedoria cruel dos seus instintos animais; nem seriam eles os bons selvagens do primitivismo iluminista, ou até mesmo, como a antropologia insinua, os macacos intrinsecamente talentosos que, por algum motivo, deixaram de se encontrar. Eles seriam monstruosidades incontroláveis, com muito poucos instintos úteis, menos sentimentos reconhecíveis e nenhum intelecto: verdadeiros casos psiquiátricos. Como nosso sistema nervoso central — e principal-mente a maldição e glória que o coroam, o neocórtex — cresceu, em sua maior parte, em interação com a cultura, ele é incapaz de dirigir nosso comportamento ou organizar nossa experiência sem a orientação fornecida por sistemas de símbolos significantes.2
Anexo 2: DIFUSÃO DA CULTURA
Não resta dúvida que grande parte dos padrões culturais de um dado sistema não foram criados por um processo autóctone, foram copiados de outros sistemas culturais. A esses empréstimos culturais a antropologia denomina difusão. Os antropólogos estão convencidos de que, sem a difusão, não seria possível o grande desenvolvimento atual da humanidade. Nas primeiras décadas do século XX, duas escolas antropológicas (uma inglesa, outra alemã), denominadas difusionistas, tentaram analisar esse processo. O erro de ambas foi o de superestimar a importância da difusão, mais flagrante no caso do difusionismo inglês que advogava a tese de que todo o processo de difusão originou-se no velho Egito.
Mas deixando de lado o exagero difusionista, e mesmo considerando a importância das invenções simultâneas (isto é, invenções de um mesmo objeto que ocorreram inúmeras vezes em povos de culturas diferentes situados nas diversas regiões do globo), não poderíamos ignorar o papel da difusão cultural.
Numa época em que os norte-americanos viviam um grande desenvolvimento material e os seus sentimentos nacionalistas faziam crer que grande parte desse progresso era resultado de um esforço autóctone, o antropólogo Ralph Linton escreveu um admirável texto sobre o começo do dia do homem americano:
[1] BENEDICT, Ruth. O crisântemo e a espada. São Paulo, Perspectiva, 1972.
[2] MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo, EPU/EDUSP, 1974. vol. II
[3] KEESING, Roger. News perspectives in cultural anthropology. Nova York, Holt, Rinehart and Winston Inc.
[4] A esse respeito conferir RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1970.
[5] WAGLEY, Charles& GALVÃO, Eduardo. Os índios Tenetehara. Rio de Janeiro, MEC, 1961. pp. 117-18.
[6] LEVY JR, Marion. The structure of society. Princeton, Princeton University Press, 1952. p. 190.
[7] Idem, Ibidem, p. 169.
[8] MURPHY, Robert. Derivance and social control. Kroeber Anthropological Society Papers, 1961. vol. 24. p. 60.
[9] BEALS, Alan. Antropologia cultural. Buenos Aires, Centro Regional de Ayuda Tecnica, 1971. pp. 248-50.
[10] LEVY-BRUHL, Lucian. La mentalité primitive. 10. ed. Paris, F. Alcan, 1925.
[11] LEVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. 2. ed. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1976.
[12] LARAIA, Roque B. Concepções de vida e morte entre os povos primitivos. In: Jornal de Pediatria, Vol. 37, fascículo 5/6, Rio de Janeiro, 1976.
[13] EVANS-PRITCHARD, E.E. Witchcraft. In: Africa. vol. 8, n. 4, Londres, 1955. pp. 418-19.
[14] NEEDHAN, Rodney. Introduction. In: DURKHEIM, E. & MAUSS, M. Primitive classification. Londres, Cohen & West, 1963.p. vii.
[15] MAUSS, Marcel. Oevres.Paris, Les Editions de Minuit, 1969. Vol. I. pp 28-29
[16] CARDOSO DEOLIVEIRA, Roberto. Mauss. São Paulo, Ática, 1979.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

ANTROPOLOGIA - ARTE E PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO



PROLICENCIATURA - Artes Visuais

UnB / IdA / Grupo Arteduca
MÓDULO: Antropologia Cultural
ALUNOS: Deny Ardaia

ANTROPOLOGIA - ARTE E PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO

A ARTE COMO ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO OU CONSOLIDAÇÃO DE IDENTIDADE
Antropologia e Arte na construção da identidade
Malinowski, na sua obra: "argonautas do pacífico ocidental", e em Makl – "método e técnica na antropologia" nos faz perceber o quanto é importante o estudo de cultura para a compreensão de uma sociedade, e a arte também é um campo onde o humano e o social se faz presente, e são fontes de conhecimento que podem auxiliar no estudo das identidades e das memórias.
Além da contribuição da antropologia clássica devemos pesquisar também determinada cultura ou o significado de determinada arte, sob o olhar da antropologia contemporânea. E aí lembramos de um grande nome, que também contribuiu sobremaneira na questão dos aspectos metodológicos da Etnografia, que é o Clifford Geertz.
Geertz, em sua obra "A interpretação das culturas" (1978) traz, assim como Makl (2008. p.2) também, a questão da necessidade de se repensar algumas categorias ou noções como a de "indivíduo, sociedade e cultura em suas complexas interdependências e como se relacionam no plano simbólico". O texto de Geertz "Estar lá, escrever aqui" traz na perspectiva da visão subjetiva na etnografia, seu conceito fundamental, o qual gostaria de incluir em nosso desenho teórico, que é da cultura como algo a ser interpretado e não explicado. Sobretudo, pelo fato de termos que empreender uma pesquisa de campo, tendo como objeto, em determinada
comunidade, suas manifestações culturais, as quais pertencem a um contexto próprio e traz seus próprios significados, dentro de um cenário de grande diversidade cultural em que se insere a sociedade brasileira.

Por exemplo, ao levarmos em conta o estudo das artes visuais e a desempenho dos artistas de determinado bairro da cidade de Porto Velho, teremos que pesquisar tendo como objetivo perceber a rede de significados construídos nas relações sociais que a produziu, ou seja, o contexto destas produções culturais, para podermos enxergar o fazer artístico contemporâneo, levando em conta os olhares locais, as relações simbólicas estabelecidas, neste tecido sociocultural, que dialogam com o universal. E se trabalharmos focando as produções culturais imateriais e nas manifestações das culturas populares, nós teremos todo um campo a ser interpretado, que revelam, não só as relações simbólicas, mas, inclusive, as "tramas sociais", no sentido dado por Geertz (1978).
Nessa linha, da noção de cultura como uma rede de significado construída pela sociedade, e que constrói o próprio individuo - que por sua vez, também possui seu patrimônio cultural imaterial próprio, ou individual, além do seu patrimônio coletivo -, Makl traz uma contribuição de Geertz:

O crescimento do homem aconteceu, portanto, no contexto de um ambiente cultural em desenvolvimento. Esse mesmo ambiente deve ser entendido não apenas como uma mera extensão externa do ser humano, um ampliação artificial de capacidades inatas já existentes, mas sim como um fator indispensável da existência dessas próprias capacidades, Instrumentos, caça, organização familiar e, posteriormente, arte, religião e certa forma de conhecimento sobre a natureza ou "Ciência" primitiva moldaram o homem somaticamente, sendo, portanto,
necessários não só a sua sobrevivência, mas, também, sua realização existencial "Sem o homem não haveria formas de cultura, mas sem formas de cultura não haveria o homem" conclui Geertz. (citado em Makl, 2008: 16)

Esta noção de indivíduo, de sociedade, de cultura, e esta compreensão sobre suas relações, nos ajudarão nesta análise da contribuição da arte na construção de identidades. Lembrando novamente que ele entende a Antropologia contemporânea como instrumento importante para esse entre grupos sociais. Em nosso entendimento, esse diálogo possibilitaria a desconstrução de preconceitos como, falamos, também, há pouco: o da segregação das culturas ou das artes populares. Portanto, se construiria um terreno propício para fluxo natural de construção de identidades, contribuindo, também, para a diversidade cultural.

Se pensarmos a cultura popular como fonte inspiradora e fim das artes têm que pensar na discussão sobre estes conceitos: cultura popular, patrimônio cultural imaterial ou intangível, folclore, cultura erudita ou alta cultura, etc. Pensadores da cultura como Ubiratan, combatem o termo folclore e propõe sua substituição pelo termo ‘cultura popular’. É óbvio que os folcloristas rebatem com o argumento de que não procede esta visão e esta postura dos europeus frente a estas produções. Defendem que, na verdade este (o folclore) é um atrativo turístico e cultural por ser "raiz" ou referência da cultura popular, como se isto só se desse sob este termo, já que o próprio termo se tornou tradicional no Brasil. Ou seja, se esquece o discurso que revela toda uma essência por detrás do fenômeno que é a visão de cultura hegemônica ou de dominação. E em ralação a divisão das produções culturais entre cultura erudita e cultura popular (que no caso seria visto equivocadamente de forma geral e homogenia como folclore), tem também toda uma calorosa discussão. Como podemos ver abaixo, nas palavras da antropóloga Lélia Coelho Frota.
"Não é de hoje que a discussão sobre a fragilidade da fronteira que costuma separar a chamada "cultura culta" da "cultura popular" ganha volume e consistência. E são cada vez mais nítidas as evidências de que, no fundo, o que efetivamente existe é um enorme preconceito em relação às artes populares. É como se alguém tivesse o direito, baseado em critérios um tanto tênues, de determinar o que é arte e o que é artesanato, o que é cultura e o que é apenas pitoresco. É como se aos artistas populares fosse proibido o reconhecimento de que seus trabalhos têm outras qualidades, além do direito de ser primitivos. Como se a alta qualidade estética fosse um patamar reservado apenas aos artistas que tiveram educação formal, e cultura fosse monopólio que só por eles poderia ser exercido. E os equívocos e preconceitos não terminam aí: tornou-se usual estabelecer que a arte popular só pode ser encontrada fora dos grandes centros urbanos, como se fosse um triste privilégio das populações rurais." (Lélia Coelho. 1937. P. 15)
É na ordem do discurso, onde se legitima determinados construtos sobre arte e sobre cultura, que se impõe, cientificamente, o entendimento do que é cultura e do que é arte. E, neste sentido, focando a arte, Miriam Manso, coloca o seguinte:
"[...] Para decidir o que é arte ou não arte, nossa cultura possui instrumentos específicos. Um deles é o discurso sobre o objeto artístico, ao qual reconhecemos competência e autoridade; nossa cultura também prevê locais específicos onde a arte pode manifestar-se, locais que dão estatuto de arte a um objeto (...) Desse modo, nossa cultura prevê instrumentos que determinam por mim o que é ou não arte" .
Portanto, pegando este gancho de Manso, deduzimos que se tem alguém ou algo que nos fala o que é e o que não é arte ou cultura, e que, levando-se em conta que a arte e as manifestações ou produções culturais são elementos ou espaços constitutivos de identidades deduzimos que há um dirigismo neste processo em que se forja estas identidades. E se Geertz está certo:
"Se a cultura fornece aos humanos programas de comportamento comparáveis à função dos programas nos nossos atuais computadores, ao nascer a mente do ser humano pode-se comparar como um hardware de computador ainda sem softwares instalados: o chamado processo de socialização ou endoculturação é que vai "instalando os softwares" de cada cultura na infância humana. (Geertez in Makl, 2008: 16)

As identidades não seriam construídas pelo própria sociedade, mas por determinados grupos que dirigem ou controla o rumo da cultura, forjando identidades, talvez de forma artificial, ou no mínimo violentando identidades legítimas. Interditando expressões destas identidades e destas culturas. Por isso, concordamos com Geertz quando ele afirma que a Antropologia tem um papel importante na contemporaneidade que é de possibilitar o diálogo entre as diversas linhas societais. Não só para desconstruirmos preconceitos para que tenhamos uma verdadeira cultura de paz e para que sejam possíveis os processos culturais "naturais" se desenvolvam numa perspectiva de democracia e construção de uma cidadania plena.
"O crescimento do homem aconteceu, portanto, no contexto de um ambiente cultural em desenvolvimento. Esse mesmo ambiente deve ser entendido não apenas como uma mera extensão externa do ser humano, um ampliação artificial de capacidades inatas já existentes, mas sim como um fator indispensável da existência dessas próprias capacidades, Instrumentos, caça, organização familiar e, posteriormente, arte, religião e certa forma de conhecimento sobre a natureza ou "Ciência" primitiva moldaram o homem somaticamente, sendo, portanto, necessários não só a sua sobrevivência, mas, também, sua realização existencial "Sem o homem não haveria formas de cultura, mas sem formas de cultura não haveria o homem" conclui Geertz. (citado em Makl, 2008: 16)

Linguagens artísticas e Identidade Cultural
No texto O Brasil Traduzido no Cinema, Flávio Goldmanh nos traz as etapas do processo em que se dar a "tradução da identidade brasileira no cinema nacional", o que colocaríamos como participação desta linguagem artística não só na construção de uma imagem da nossa Nação, mas uma intervenção no próprio processo de construção da nossa identidade. Ou seja, ao se construir uma arte nacional de linguagem cinematográfica colocando fotos da brasilidade em movimento, não era só a "arte nacional" era a própria Nação ou um projeto de Nação que se estava propondo.
E aí Goldmanh coloca muito bem o complexo de inferioridade ou a síndrome de colonizados que acometia nossos artistas audiovisuais ou produtores culturais deste começo do cinema no Brasil. Até que vem um Glauber Rocha, provocando uma ruptura, um Mário de Andrade propondo uma re-leitura da nossa cultura, incluindo as culturas e artes populares, no caso, genuinamente brasileiras. Que não trate apenas do campo imagético mais do essencial também, do intangível das produções, independente de classes sociais ou etnias que compõe a nossa sociedade brasileira.

Foi a partir do movimento modernista, quando procuraram "descobrir o Brasil", como Mário de Andrade, incluindo artes sem esta divisão de popular e culto.
"O ideário modernista definido por Mário na sua conferência sobre o Movimento (1942) reflete-se também sobre a questão do popular: o direito permanente à pesquisa estética brasileira e a estabilização de uma consciência artística brasileira e a estabilização de uma consciência crítica nacional" (Cláudia.1948).
Porém temos que, apesar do movimento modernista ter tido como mecenas a elite cafeicultora, não significa que as produções artísticas populares tenham sido aceita como arte de alta qualidade estética. O que se percebe foi que no Brasil passou-se a ter um processo de circularidade destas estéticas entre a elite artística – as artes cultas -, e a estética das artes populares.
Ainda segundo Cláudia, nos anos 30 e 40 alguns artistas, nestas circularidade das estéticas, "passaram a lidar com a questão do popular".
Cavalcante pinta serestas, mulatas, sambistas, moleques, trabalhadores, favelas, mulheres da vida, casas pobres do interior rural. A sua matéria traduz toda a sensualidade que permeia a vida brasileira em tantos níveis, em particular na representação do corpo feminino, que irradia para toda a composição dos tons quentes da terra. Nos anos 20 temos as xilos de Livio Abramo, com cenas de luta operária. E assim, vamos ver esta temática do povo nos diversos artistas do movimento. (Cláudia. 1948)
A crítica que se faz, é que o verdadeiro universo simbólico e as matrizes estéticas populares não foram realmente compreendias. O antropólogo Paes Loureiro coloca que nem mesmo Mário de Andrade que teve forte influência nesta postura e nesta política cultural de não discriminar as artes populares teve essa compreensão ou percepção, quando, por exemplo, teve contato com as artes ou com a cultura indígena. E aí ele trabalha com o conceito de "poética do imaginário" para propor uma outra epistemologia e outro olhar, não colonizado, de forma a nos aproximar mais destas estéticas, que parte do sentido grego, do significado etmológico deste termo de estética: sensibilidade. Ter-se-ia que se adquirir ou desenvolver a sensibilidade dos povos da floresta em relação as suas referências culturais. E as artes que expressam as identidades destas populações, de forma tradicional ou contemporânea, se referenciam em suas culturas, para as quais nossos instrumentos ou mecanismos que pretendem lhes conferir o estatuto de artes são ilegítimos.
Assim como no cinema, e nas artes plásticas e noutras artes visuais, na literatura também vamos ver estéticas e expressões populares, personagens etc, que também vão revelar o conflito, tensão ou trama social, na correlação de força que mencionamos acima. Com é o caso da presença do negro, do índio ou do nordestino da classe pobre nas obras de pintura, escultura, fotografia, enfim. E aqui, também nestas linguagens vamos ter nosso "Glauber Rochas". Por exemplo, lembramos aqui de Macunaíma de Mario de Andrade, que nos anos 30 contribuiu para o reconhecimento do papel das expressões populares na formação de nossa identidade. Lembramos das obras de aleijadinho, das fotografias de Januário ou de Pupo. E, para incluir uma análise regional podemos assistir a um documentário de Jurandir Costa, sobre os quilombos do Vale do Guaporé, ou sobre os ribeirinhos do Rio Madeira, ou ainda no artesanato de Dona Graça do Município de Candeias do Jamari, ou na Cestaria do artesão Zé Maria, na escultura bio-arte de Homero, de Costa Marques (Forte Príncipe da Beira), na Música de Zezinho Maranhão, Waldson Pinheiro, Bado.
Voltando as produções universais, lembramos ainda do teatro experimental que em São Paulo trouxe para o campo de batalha social e guerrilha cultural, a construção da identidade dos afro-descendentes, que seria uma brasilidade mas com sua face africana ou as chamadas Africanidades do Brasil.
Considerações Finais
Flávio Goldmah, em sua obra na qual pesquisamos, conforme citamos acima, traz a seguinte epígrafe:
Não somos europeus nem americanos do norte. Mas, destituídos de cultura original, nada nos é estrangeiro pois tudo o é. A penosa construção de nós mesmos se desenvolve na dialética rarefeita entre não ser e ser outro." (Paulo Emílio Salles Gomes)
E aí fazemos a seguinte reflexão: qual é mesmo a importância da identidade? Hoje em dia está muito em moda se falar em "identidade cultural", "valorização da diversidade cultural", mas será que, estes conceitos estão esclarecidos e sua importância está sendo informada? Será que mesmo os professores que trabalham num espaço que é um espaço de construção de identidades por excelência, estão conscientes da importância das identidades culturais e da necessidade de sua proteção e de sua difusão? E aí o nosso pensamento ou conclusa não é muito animadora.
Respondendo ao questionamento afirmamos que sem identidade não somos ninguém, pois não sabemos o que somos, vivemos imitando e comprando os produtos dos outros, querendo nos tornar como eles ou aprendizes dos seus modos de ser, de viver, de consumir,enfim, assumimos a condição de inferiores, objetos moldados.
E concluímos colocando aqui a importância dos artistas com suas práticas ao lado dos intelectuais com sua linguagem científica também na discussão do objeto artístico como critica também aos rumos do processo cultural e as influencias das produções artísticas na construção das identidades ou de suas consolidações ou fortalecimentos.


BIBLIOGRAFIA
Bronislaw Malinowski. Argonautas do Pacífico Ocidental. Introdução
Madeira, Angélica e Veloso, Marisa (orgs.). Descobertas do Brasil. Brasília: Editora UnB, 2001.
Madeira, Angélica e Veloso, Marisa. Leituras Brasileiras: Itinerários no Pensamento Social e na Literatura. 2. ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2000.
LARAIA. Roque de Barros. Cultura. Um conceito antropológico. Rio de. Janeiro, Jorge Zahar Editor.1993 /1986] "Segunda parte: como opera a cultura".
MENDONÇA, Mirian da Costa Moreira Manso de. Módulo 6 : Antropologia Cultural: Introdução ao estudo do homem e suas produções culturais. Paginas de 104 – 116. Arte: significados e funções. Brasília: Cidade Gráfica e Editora Ltda., 2008

A INFLUENCIA DA CULTURA POPULAR NA PRODUÇÃO ARTÍSTICA BRASILEIRA

PROLICENCIATURA - Artes Visuais
UnB / IdA / Grupo Arteduca
MÓDULO 06 Antropologia Cultural
ALUNO: Deny Ardaia

TAREFA Atividade 4 – Cultura Popular e Arte

A INFLUENCIA DA CULTURA POPULAR NA PRODUÇÃO ARTÍSTICA BRASILEIRA

Para tratarmos deste assunto é salutar iniciarmos colocando nossa compreensão de cultura, cultura popular e artes. O interesse do uso adequado dos conceitos, ou melhor, do esclarecimento sobre qual visão teórica de cultura de arte e de qual noção de cultura popular aderimos, é uma tentativa - também do uso adequado -, de tornar mais compreensível a análise cultural que pretendemos aqui empreender sobre esta temática, e, também, contextualizando nosso discurso.
Pesquisando no texto “Como a cultura”, de Roque Laraia, onde ele discute o desenvolvimento teórico da antropologia e do conceito de cultura, inclusive focando sua dimensão fisiológica, vimos que a cultura atua fortemente na vida do homem. Laraia nos traz informações no seu texto sobre as explicações da ciência sobre a evolução “biocultural do homem”. É também neste texto que Laraia nos traz a noção da cultura como “lente através da qual o homem vê o mundo”, proposta pó Ruth Benedict, em seu livro O crisântemo e a espada. Por esta perspectiva, concordamos com Laraia e com Benedict de que a cultura condiciona nossa visão de mundo, dando a cada homem, em determinada cultura, uma visão específica e própria, diferenciada sobre determinadas coisas. Como diz o próprio Laraia:
“Homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm visões desencontradas das coisas”. Neste estudo e reflexão de Laraia ele coloca a questão, por exemplo, de que comportamentos, hábitos e expressões, das mais simples, como rir, piscar, são tidos como coisas boas ou ruins dependendo de cada cultura. Podendo o arroto, por exemplo, ser um comportamento bizzarro, exótico ou excêntrico ou um comportamento normal, natural ou até mesmo elegante.
A partir desta premissa, adotamos aqui um conceito amplo de cultura englobando toda a produção material e imaterial - intangível, oral, etc. – de um povo. Seu comportamento, hábitos, valores, pensamentos – idéias – criações, saberes populares, conhecimentos científicos, práticas, tecnologias e, aí, é óbvio, suas artes incluso a literaturas. Portanto, é dentro de todo este universo global da sociedade, da sua existência biológica, física, social, espiritual e imaginária, que chamamos cultura é que situaremos o conceito de arte que adotamos, e faremos nossa análise cultural da produção artística no Brasil, focando a influência que a cultura popular causa nesta produção. Antes, porém, necessário se faz dizermos também o que entendemos por cultura popular, ou com qual noção de cultura popular concordamos.
Miriam Mendonça traz uma boa contribuição para este debate sobre o conceito de cultura
popular. Ela afirma que este é um conceito que está longe de ser definido e que dentro de todo um leque de definições a cultura popular passa pelas concepções de que é um corpus de saber até a idéia de possa ser uma resposta simbólica a determinadas situações, inclusive, chegando-se a atribuir o “papel de resistência contra a dominação de classe [...] aos fatos por ela identificados”.
Nesta discussão, trazemos um recorte do discurso de Miriam da Costa Manso que trata da questão da polêmica conceitual sobre cultura popular. Miriam coloca a questão da visão que muitos autores têm desta cultura como folclore, onde ela destaca elementos como: “objetos, práticas e concepções – sobretudo religiosas e estéticas – consideradas tradicionais” (texto adaptado).
Sobre a questão da noção do que é arte que adotaremos aqui, também uma noção ampla, não pretendendo encerrar toda uma discussão, toda uma polêmica com uma proposta de conceito que se torne inoperante ou sem consistência, com certa volatilidade, mais pensando em construir um sentido polifônico ou o mais plural possível. E, para iniciarmos esta discussão, de forma a termos nosso recorte claro, a nossa conceituação, partirá de um fragmento, de um texto adaptado por Miriam Manso:

“[...] Para decidir o que é arte ou não arte, nossa cultura possui instrumentos específicos. Um deles é o discurso sobre o objeto artístico, ao qual reconhecemos competência e autoridade; nossa cultura também prevê locais específicos onde a arte pode manifestar-se, locais que dão estatuto de arte a um objeto (...) Desse modo, nossa cultura prevê instrumentos que determinam por mim o que é ou não arte”

Discordamos em parte dessa noção de arte, pois entendemos que o próprio conceito de cultura que até agora discutimos está ainda condicionado a visões unilaterais a um construto que remete homogeneidade, unicidade, quando, sobretudo numa nação com a nossa, brasileira tem-se todo um mosaico, toda uma miscelânea, ou melhor, diversas culturas, que ainda não se vêm nessa “cultura nacional”. Então qualquer conceito de arte, no sentido colocado pela Miriam, estaria restrito a uma visão cultural hegemônica. Preferimos utilizar um conceito de arte que seja vinculado a própria natureza artística da subversividade, isto é, deixando essa questão para uma d
eterminação processual que se dá dentro das relações sociais concretas, que também são relações de conflitos. Assim, para nós arte é algo a ser inventado, abstraído e concretizado que mexa com emoções e sentidos, com seus símbolos, mas algo a ser negociado, num contexto dialógico e dialético, de embate mesmo, e concordamos mais com Miriam quando ela traz outra proposta, que é: “Fazer arte é construir com cacos e fragmentos um espelho onde transparece o que há de mais abstrato num grupo humano: a sua organização”.
Como popular entendemos tanto o universo das populações tradicionais – indígenas, quilombolas, ribeirinhos, remanescentes de seringueiros e todos os outros - excluídos social e culturalmente pela elite. Percebemos que este grupo não se situa em termos de temporalidade, mas de situação social mesmo. E esta classificação é
pertinente por conta de que os grupos e indivíduos que se situam nesta categoria são os mesmos grupos visto como “de outra cultura”, “de culturas estranhas”, ou grupos a serem “dominados culturalmente”, tanto no processo educativo formal quanto por meio da massificação da produção da indústria cultural que representa as classes ricas ou manipula o mercado por meio da mídia, massificando o que dá lucro e não o que representa identidades ou diversidades culturais de diversos grupos, ou provocando um processo de homogeneização da sua cultura e de suas artes. No rádio, na televisão, na mídia escrita e na mídia eletrônica. E, o que é pior, na maioria das vezes, com implementações de políticas “públicas” governamentais.


Na realidade, o que percebemos é que existe uma dificuldade em se ter um consenso sobre o conceito de Arte. Em meio a essa dificuldade, levantamos algumas questões: Será que o artista, antes de iniciar uma obra, para pra pensar no conceito de arte? O produzir arte está relacionado ao conceito de arte? Quanto tempo perde o artista pensando no conceito de arte e quanto tempo perde pensando na obra que deve criar?

"A produção artística é, no final das contas, um ato de criação. O artista risca a parede nua e nela surge um bisão onde antes nada havia! Para a lógica das mentes pré-científicas, tal criação devia ter uma contrapartida no mundo exterior, que podia ser tocada e vista. Tão certamente como o artista retratava o bisão na caverna sombria, assim também deveria haver um bisão vivo nas estepes, que podia ser abatido e comido. Para garantir o êxito, o artista ocasionalmente (mas raramente) desenhava o bisão atravessado por uma lança, tal como desejava vê-lo” (CHILDE, 1981: 68-69).

A interpretação que temos sobre a falta de consenso em relação ao conceito de arte nos passa a impressão de que este dissenso seja um bom aspecto da arte, pois neste caso talvez mais do que em qualquer outro o “consenso é burro”, já que a arte, por sua natureza é subversiva pelo fato de nascer da liberdade de expressão, daí ter toda uma dinamicidade, complexidade e polifonia, além de ser um campo político, portanto de conflitos. A produção artística é um ato de criação. Esta reflexão fez lembrar um escultor e poeta acreano, que diz o seguinte: “a escultura não é nada mais nada menos do que se tirar o excesso da árvore, da madeira, da pedra ou de outro material, daí o que resta é a arte, assim como a poesia é se tirar o excesso de palavras (ou que é supérfluo), grifo nosso”.
Outra questão que fica ressaltada quando se analisa a questão conceitual de arte é que pouco se falar do prazer que o artista sente ao criar. Vale lembrar que o prazer da criação não está relacionado à origem do artista. Percebemos bem isso quando observamos obras não comercial; obras que expressam simbolismos ininteligíveis aos expectadores; obras de portadores de limitações físicas e doenças mentais. Essas obras são muito estudadas pela psicologia com o objetivo de entender os mecanismos de criação mental do ser humano assim como o grau de motivação que possuem. Como podemos perceber nas palavras da Professora Diva Albuquerque Maciel...”dizemos que uma pessoa está intrinsecamente motivada quando ela faz alguma coisa simplesmente pelo prazer de fazer. A atividade é a sua própria recompensa.” (2008.p.115). Um detalhe que não podemos esquecer: existem obras acidentais onde a razão não se apresenta na hora de sua criação, aparece por acaso. Esse tipo de acidente deverá pesar na hora de conceituar obra de arte?
A felicidade poderá levar a um estado de criação, mas também poderemos retirar inspirações para as obras de arte das nossas dores, angustias, desejos, filosofia, ideologia, conhecimento sobre determinadas áreas, costumes. Então, com tantas influências existentes aguçando a mente do criador, dificilmente poderá se chegar a um conceito fechado sobre arte. Em relação aos desenhos das cavernas, a simples satisfação de estar de barriga cheia, a certeza que não foi devorado pela fera, já era motivo suficiente pra sair pintando o sete.
Não queremos dizer com tudo isso que estejamos negando os grandes pensadores que se debruçaram sobre a História da Arte em busca de um conceito, queremos dizer apenas que a arte nos apresenta de maneira muito simples e ao alcance de todos a ponto de não imaginarmos a mesma de maneira fragmentada entre arte popular e arte propriamente dita. Acreditamos em arte, sem distinção. E vemos com maus olhos a intenção dessa separação – arte popular: arte da classe dominada e, arte propriamente dita como arte da elite, classe dominante. Para essa conclusão seguimos os pensamentos de Vygotsky citado por Maciel,2008.p.89.
“...contrariamente ao que o senso comum tem propagado, todas as pessoas são capazes de criar, de serem criativas, não só as bem educadas, pertencente a elite econômica e intelectual, mas as pessoas da classe popular também. Além disso compreende desde tenra infância as pessoas podem ser criativas e que a educação, na família e na escola, pode proporcionar mais ou menos oportunidades de desenvolvimento dos processos criativos, dependendo da maneira como os educadores atuam junto aos jovens.”

Seguindo a linha de raciocínio que estamos tentados a seguir, observemos, as duas criações abaixo:
Exemplo 1
Com o sonho eu sonho, durmo e sonho.
Os outros vão cantando.
Eu canto pra tornar feliz os outros
Que cantarão meu sonho.
Outros cantam no sonho
E eu durmo e sonho o que os outros cantarão. (Poema Xavante)
Exemplo 2
Alguém cantando longe daqui
Alguém cantando longe, longe
Alguém cantando muito Alguém cantando bem
Alguém cantando é bom de se ouvir
Alguém cantando alguma canção
A voz de alguém nessa imensidão
A voz de alguém que canta
A voz de um certo alguém
Que canta como que pra ninguém
A voz de alguém quando vem do coração
De quem mantém toda a pureza
Da natureza
Onde não há pecado nem perdão
Onde não há pecado nem perdão (Caetano Veloso)
Observando os dois poemas, por mais que saibamos a quem são atribuídos suas criações, não conseguiremos perceber quem é de elite e quem é popular. Ambas são obras fantásticas com graus de sensibilidades imensuráveis.

Em seu livro Cultura – Um conceito antropológico, p.25, Laraia diz que “a cultura...tomada em seu amplo sentido etnográfico como este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.”

Não diferente de Laraia, mas de maneira simplificada BURKE, 1989, p.21 afirma que “a cultura é um sistema de significados, atitudes e valores compartilhados, e as formas simbólicas nas quais eles se expressam ou se incorporam.” Este último, por sua vez, trás a questão do compartilhamento entre todas as características citadas na maioria dos conceitos. O compartilhamento dá um caráter dinâmico à cultura, como também institui o fator de modificação constante com o processo de interrelacionamento. Na medida em que os povos vão se conhecendo e trocando experiências, relatando o porquê de cada detalhe vivido através dos costumes de seu povo a sensação de estranheza tende a se tornar cada vez menor. Hábitos culinários de determinados povos orientais, que até o século XIX, eram depreciados, hoje, estão ocidentalizados e tornando-se comuns entre nós, como é o caso do consumo de peixes crus, e outras iguarias.

Lux Vidal, 2001. p.13 afirma que para Geetz, um discurso genérico sobre a arte parece inútil. A ação sobre a matéria não é criadora por si mesma. É preciso remetê-la à dinâmica geral da experiência humana. Sendo assim, os trabalhos de arte acabam por ter uma significação cultural localmente elaborada. Vidal afirma que “Lévi-Strauss consegue nos convencer de que a emoção estética está diretamente ligada ao valor cognitivo da obra de arte ou, inversamente, uma emoção estética acompanha sempre o ato do conhecimento” op.cit.

A produção de Arte, segundo Vidal, está ligada a experiência e vice-versa, independente de ser um conhecimento empírico ou teórico. Dessa maneira tudo se justifica, caso contrário, grande parte das obras que conhecemos hoje como Arte desapareceria pelo fato da maioria dos artistas trabalharem de maneira intuitiva e essas obras seriam desclassificadas por não possuir um valor cognitivo. Então valor cognitivo seria o fator de definição da obra como sendo Arte? Talvez. Afirmar categoricamente sobre esse pressuposto é decretar aquilo que ninguém quis afirmar até agora - fazer Arte é um privilégio de quem possui conhecimento. Dessa maneira surge a pergunta: Em que sentido, formal ou informal?

De maneira alguma pode se falar em Arte sem levar em conta a contribuição popular, pode-se dizer que a Arte é uma nascente que apesar de muito fraca vai se juntar as outras que irão formar um rio que irá desemborcar num mar. As grandes idéias que existem hoje são frutos de pequenas idéias, às vezes concebidas e incompreendidas pelos homens da época de sua criação, mas por não serem abandonadas foram aos poucos aceitas. Às vezes quebrando tabus, ferindo os costumes e rompendo barreiras seculares até chegar a nosso tempo. Muitos dos que são conhecidos como Grandes hoje, pereceram por terem sido do povo, várias obras receberam seus devidos valores muito depois de seus criadores terem sidos consumidos pela miséria, pelas doenças populares e drogas, muitos não conseguiram tirar das obras vinténs para seus alimentos e pereceram pelo caminho, sem dinheiro, sem fama e muitos ainda foram chamados de malditos. Precisou que a História resgatasse, depois de muito tempo, suas obras, mas dessa vez, transvertida de valores elitistas e posta em pedestais de museus, palácios e lares de magnatas.

Além dos objetos populares "transvertidos de valores elitistas", podemos encontrar outros elementos ou aspectos a serem apontados no mundo das artes, como o que chamamos de "circularidade", onde a arte da elite se apropria de estéticas e poéticas da cultura e arte populares, provocando um vai-e-vem desses elementos, de forma vertical entre as classes sociais. Podemos perceber claramente essa apropriação nas plumagens das fantasias de carnaval, que embora em sua origem seja uma manifestação popular, na realidade é bastante elitizada e que na verdade não se tem um sentido autoral das estéticas indígenas ou uma consciência desses elementos enquanto produção deste seguimento étnico social. Outro exemplo neste sentido é caso Bloco Afoxé Filhos de Gandhi, na Bahia. Neste caso, sabemos que a massa popular, na verdade fica fora da corda. A música, a dança e as estéticas corporais são do povo negro, dos terreiros de candomblé, enfim, estéticas de matrizes africanas, ressignificadas no Brasil a qual conhecemos por artes afro-brasileiras, porém apropriadas pela indústria cultural e de entretenimento. Mencionamos também a apropriação de patrimônios imateriais como coreografias de danças dos povos indígenas em festas e folguedos como o Boi Bumbá, em Parintins, onde vemos passos do toré, com destaque da religiosidade indígena e afro-indígena como da chamada Jurema onde os espíritos de caboclos da floresta se manifestam nos terreiros de trabalhos espirituais e rituais xamânicos. Ou seja, nestes dois exemplos temos um candomblé de rua, e uma pajelança ou encantaria também de rua (transfiguradas em vestes profanas). Servindo a indústria do turismo, do entretenimento e da cultura.

Voltando o foco para a questão da cultura popular, tradicional, neste nosso olhar sobre sua relação com as artes, continuemos vendo a cultura indígena. Sabemos, a princípio, da grande diferença entre a cultura não-índia e a indígena. E, olhando-a especificamente, temos que reconhecer que possui seus valores, raízes ou referências próprias, totalmente diferenciadas das raízes, referências e valores da outra (branca européia). Assim, por exemplo, os rios, a floresta, a própria terra são matrizes simbólicas para eles, já para nós de cultura ocidental de matrizes européias com forte presença da cultura judaico-cristã, a terra é bem econômico, é algo a e ser explorado, a qualquer custo, os rios também são bens ou apenas vias de transportes ou fornecedores de produtos vendáveis (o peixe) a floresta é uma mina de matéria prima para móveis, a ser depredada. Portanto, toda a cultura não índia já distorce o que é essencial na cosmogonia indígena, na sua visão de mundo, nas suas matrizes simbólicas que são fontes de produções artísticas e culturais.

Outra questão que nos remete ainda aquela visão de Jean-Jacques Rousseau, do mito do bom selvagem (indígena), que, embora conote uma visão positiva deste seguimento étnico produz um outro discurso, que é aquele de que, tudo que se encontra em “estado natural”, conota primitivo, ou seja, significa também, que não evoluiu não se tornou elaborado. Neste e em outros sentidos os indígenas são ainda vistos como sociedades a - históricas. Um contexto que se insere também o equívoco sobre suas produções estéticas. O mesmo ocorre com outro grupo social, que foi e é importante, na composição da sociedade brasileira, os afro-descendentes.
Aqui recorremos, novamente, a contribuição de Lélia Coelho (1980. p 15)

“Desde que publiquei Mitopoética de nove artistas brasileiros (1975) que enfocava pela primeira vez a vida e o trabalho de indivíduos criadores procedentes de camadas pobres, tive a preocupação permanente de aproximar estética e antropologia, e de contextuar social e historicamente uma produção que até então era apresentada como anônima, anedótica, estática e, acima de tudo, em conceito [...] Pintores e escultores, segundo a nomenclatura então vigente na história da arte, esses criadores não haviam recebido tratamento crítico, e mesmo editorial, à altura dos seus pares das camadas altas camadas sociais (...) Uma verdadeira arte pública é praticada nas cidades por indivíduos como Antonio de Oliveira (1912-1996), exibindo figuras esculpidas do foi vendo ao longo do tempo, verdadeira memória “escrita” através de suas esculturas [...] Certamente existiram, no país, outros casos assemelhados a esses, pedindo registro (...) Mas será fundamentalmente a partir do pensamento e da ação de Mário de Andrade que a geração dos modernistas partirá para a “descoberta do Brasil”, sem discriminar entre o popular e o culto, fator que contribuirá fortemente para a abordagem da vida e do saber das camadas baixas (...) O ideário modernista definido por Mário na sua conferência sobre o Movimento (1942) reflete-se também sobre a questão do popular: “o direito permanente à pesquisa estética brasileira e a estabilização de uma consciência artística brasileira e a estabilização de uma consciência crítica nacional”.

Bom, partindo então - de sobrevôo - das produções artísticas indígenas, do período colonial e pelas produções dos negros africanos escravizados ou já livres, podemos lembrar que pinturas corporais, plumagens, estatuetas, cerâmicas (produções artísticas tradicionais), e chegando até hoje, em suas produções contemporâneas, percebemos que há sim uma relação de depreciação ou de estereotipia onde a fruição ou consumo destas produções se dão, mas no sentido do exótico do que dos símbolos constitutivos de identidades culturais, de obras artísticas originais, produzidas com alto nível de complexidade estética. No entanto, além de se ter outras matrizes simbólicas e uma outra poética, as artes indígenas e afro-brasileiras, seja na visualidade, em linguagens que revelam expressões imagéticas que referenciam seus patrimônios culturais suas identidades, inclusive a fotografia, seja, em outras linguagens como a música, e de ser notório as grandiosas influências nas artes do Brasil, a relação com o público ainda é de expropriação, canibalização, re-significação. Embora já haja produções científicas que revelam todo um trânsito de elementos estéticos de produção popular, indígena e afro-brasileira, ou mesmo de camadas populares não-índias. Revelando um movimento vertical, onde as artes “de baixo” se fazem presentes nas “artes de cima”, tornando ainda mais difícil, hoje em dia, se delimitar, em algumas linguagens artísticas, uma fronteira entre arte culta ou erudita e arte popular.

Ana Cláudia de Oliveira, em sua obra Neolítico: arte moderna, cita publicações com objetos africanos que só chegaram ao conhecimento do Ocidente em 1916. Em sua obra Cláudia aponta a importância dos museus etnográficos, como o Museu de Trocadero para o acesso a estas obras até então desconsideradas como artes de valor relevante, colocando acervos a disposção possibilitando o contato dos artistas europeus. Embora a exposição destas obras em certos museus tenha sido feito numa concepção museológica que foca mais a questão antropológica do que propriamente artística, como também não as tratando de forma conceitual e contextualizada, além de não dar um tratamento aos artistas africanos como tratam seus pares brancos. E outro questionamento é que muitos destes museus passaram a possuí-las de forma criminosas, nas formas de apropriações indevidas.

Apesar disto, segundo Cláudia,op.cit. “críticos de arte como Guillaume, Apolinaire, Matisse, Picasso, Braque e Vlaminck circulavam nestas exposições” e coloca a e comenta sobre os efeitos que estas obras causaram. Foi aí que Picasso, em 1907 “conscientizou-se do papel mediador das máscaras e esculturas africanas”. Picasso “percebeu que não se tratava de simples adornos, mas esculturas de qualidade”.

Hoje se sabe que aquela revolução que ocorreu na história das artes, com a criação do cubismo, teve como fonte estas artes populares, de grupos minoritários. Foi desta fonte popular que vei inspirações para obras primas como a famosa Lês demoiselles d’Avignon (1906-1907), e Cabeça (1907).

No Brasil, tivemos trabalhos de escravos ou negros libertos que, como sujeitos inventivos deixaram suas marcas em altares de Minas Gerais, com entalhes, esculturas e pinturas revelando, sutilmente traços afros. Onde poucos afro-descendentes tiveram destaques, como Aleijadinho.

Foi a partir do movimento modernista, quando procuraram “descobrir o Brasil”, como Mário de Andrade, incluindo artes sem esta divisão de popular e culto. Cláudia coloca que:

“O ideário modernista definido por Mário na sua conferência sobre o Movimento (1942) reflete-se também sobre a questão do popular: o direito permanente à pesquisa estética brasileira e a estabilização de uma consciência artística brasileira e a estabilização de uma consciência crítica nacional” (1948)op.cit.

Porém temos que, apesar do movimento modernista ter tido como mecenas a elite cafeicultora, não significa que as produções artísticas populares tenham sido aceita como arte de alta qualidade estética. O que se percebe foi que no Brasil passou-se a ter um processo de circularidade destas estéticas entre a elite artística – as artes cultas -, e a estética das artes populares.

Ainda segundo Cláudia, nos anos 30 e 40, alguns artistas, nestas circularidade das estéticas, “passaram a lidar com a questão do popular”.

Cavalcante pinta serestas, mulatas, sambistas, moleques, trabalhadores, favelas, mulheres da vida, casas pobres do interior rural. A sua matéria traduz toda a sensualidade que permeia a vida brasileira em tantos níveis, em particular na representação do corpo feminino, que irradia para toda a composição dos tons quentes da terra. Nos anos 20 temos as xilos de Livio Abramo, com cenas de luta operária. E assim, vamos ver esta temática do povo nos diversos artistas do movimento. op.cit.


A crítica que se faz, é que o verdadeiro universo simbólico e as matrizes estéticas populares não foram realmente compreendias. O antropólogo Paes Loureiro coloca que nem mesmo Mário de Andrade que teve forte influência nesta postura e nesta política cultural de não discriminar as artes populares teve essa compreensão ou percepção, quando, por exemplo, teve contato com as artes ou com a cultura indígena. E aí ele trabalha com o conceito de “poética do imaginário” para propor uma outra epistemologia e outro olhar, não colonizado, de forma a nos aproximar mais destas estéticas, que parte do sentido grego, do significado etmológico deste termo de estética: sensibilidade. Ter-se-ia que se adquirir ou desenvolver a sensibilidade dos povos da floresta em relação as suas referências culturais.


BIBLIOGRAFIAS



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LARAIA, Roque. Como Opera a Cultura.
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MACIEL, Diva Albuquerque. Módulo 5: Psicologia e Construção do Conhecimento. Brasília: Cidade Gráfica e Editora Ltda, 2008. 138 p.
MANSO, Mirian da Costa. Módulo 6 : Antropologia Cultural: Introdução ao estudo do homem e suas produções culturais. Paginas de 104 – 116. Arte: significados e funções. Brasília: Cidade Gráfica e Editora Ltda, 2008. 132 p.
McLAREN, Peter, Multicuturalismo Revolucionário: pedagogia do dissenso para o novo milênio. Porto Alegre: Artes Medicas Sul, 2000. 304 p.
OLIVEIRA, Ana Cláudia de, Neolítico: arte moderna, 1916.
VIDAL, Lux , As Artes Indígenas e Seus Múltiplos Mundos in.Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº 29/2001, 408 p.